Afinal de contas, para ser uma boa mãe não basta apenas amamentar o bebê, e cuidar de sua igiene. Também é importante aprendermos sobre seu comportamento, e tantas outras coisas, para que a criança tenha uma vida melhor e mais feliz.
Acompanhe o 1º trecho logo a seguir.
I --
A psicologia
pré-natal é o estudo do comportamento e 10lvimento, tanto evolutivo como
psico-afetivo-emocional do indivíduo, no período anterior ao seu nascimento.
O conhecimento da
psicologia pré-natal é importante tanto para a psicologia evolutiva como para a
psicanálise, cujo objeto primordial de estudo é o inconsciente. Com efeito, se
considerarmos que todos os fatos ocorridos com o ser antes de ele nascer a)
recebem registro mnêmico, b) que este registro fica guardado apenas no plano do
inconsciente, c) que todas as vivencias pelas quais passa o ser no período
pré-natal irão fazer parte de sua bagagem inconsciente, exercendo influencia
tanto sobre a sua personalidade pós-natal como sobre a sua conduta e o seu
comportamento, e d) que o estudo do inconsciente é o objeto por excelência da
psicanálise, conclui-se que o estudo da psicologia pré-natal é de importância
fundamental para ela.
Como surgiu a psicologia pré-natal?
Os últimos trinta anos trouxeram uma verdadeira explosão de novos
conhecimentos referentes ao período Pré-natal Devemos isto, por um lado, ao
aprimoramento de modernas tecnologias: a introdução do emprego do ultra-som nos
exames pré-natais, o aprimoramento do microscópio eletrônico, as técnicas de
fecundação in vitro e o desenvolvimento da fotografia intra-uterina,
iluminaram para nós um mundo antes cheio de mistérios no qual não podíamos
penetrar. Por outro lado, devese assinalar as importantes contribuições trazidas
em anos recentes pelas descobertas feitas no campo da
psiconeuroendocrino-imunologia, contribuições estas que lançaram uma nova luz
sobre o entendimento da formação e do funcionamento do psiquismo humano.
Pesquisas sobre a vida pré-natal vêm sendo feitas hoje em várias partes
do mundo, desde a Austrália e Nova Zelândia, passando pelas Américas -
sobretudo a América do Norte até o continente europeu. Estas pesquisas vem
sendo feitas nas áreas tanto da biologia como da psicologia do desenvolvimento e
da psicanálise.
A embriologia forneceu-nos um mapa completo do organismo em
desenvolvimento. Psicoterapeutas de correntes várias, trabalhando com crianças
e adultos, têm-se deparado com freqüência cada vez maior com evidências que
levam à constatação da existência de traumas pré e perinatais. A psicologia tem
se debruçado sobre o fascinante campo da memória e, auxiliada por descobertas
feitas em áreas afins, propõe hipóteses para explicar o modo pelo qual se
dariam os registros mnêmicos das experiências vivenciais no início da
existência biológica. Ela tem-se preocupado também em identificar como surgem
as emoções que, sabe-se hoje, são provocadas pela interação fisiológica entre o
organismo da mãe e o do feto.
Sabemos hoje que os talentos, as
capacidades e as habilidades apresentadas pelo recém-nascido começam a se
desenvolver muito tempo antes de ele nascer.
Os investigadores que acompanham o desenvolvimento das do feto concordam
em dizer que o bebê já antes um ser inteligente, sensível, apresentando traços
de personalidade próprios e bem-definidos, e que tem uma vida afetiva e
emocional estreitamente vinculada à sua experiência relacional com a sua mãe,
estando em perfeita comunicação fisiológica com ela, captando os seus estados
emocionais e a sua disposição afetiva
para com ele.
A apreensão de sua experiência vivencial intra-uterina se faz por meios
que nem sempre podemos conhecer ou precisar. O importante, no entanto, é o fato
de estarmos constatando a de registros de tais experiências.
A enxurrada de novas informações torna rapidamente obsoletas velhas
teorias. Temos que rever hoje a maior parte daquilo que trinta anos atrás
pensávamos saber a respeito do feto. Com efeito, considerava-se então que o
feto vivia isolado num mundo impenetrável, num estado nirvânico de plena e
felicidade, completamente indiferente ao ambiente fora do útero de sua mãe,
protegido deste pelas espessas paredes abdominais do mesmo. O Útero, por sua
vez, era considerado um lugar absolutamente silencioso, recluso e sem
movimentos.
Essa visão mudou
radicalmente a partir das pesquisas e da o do feto em seu ambiente natural.
Estes estudos têm nos revelado, por um
lado, a sofisticação do aparelho perceptivo do feto, a crescente complexidade
do seu aparelho a sua participação ativa na manutenção da gravidez e na
determinação de seu desfecho final. Por outro lado, os co como sobre o estresse
pré-natal propriamente dito, puseram um fim à falsa idéia que se fazia do Útero
como um lugar tão ideal: hoje sabemos que drogas e substâncias neuro-hormonais
da mãe que acompanham alterações de sem; estados emocionais atravessam a
placenta e atingem o feto, podendo configurar condições ambientais mais
próximas das de um inferno do que das de um paraíso.
Hoje sabemos que, muito antes de nascer, o feto pode perceber luz e sem,
é capaz de engolir, ter paladar, escolher uma posição predileta, registrar
sensações e mensagens sensoriais; que ele dorme, sonha, acorda, boceja, esfrega
os olhos, espreguiça-se, faz C3retas, pisca, dá "passos", reconhece a
voz de sua mãe, brinca com o seu cordão umbilical e com a sua placenta, chupa o
dedo e o dedão do pé, reage com irritação quando se sente molestado e apresenta
rudimentos de aprendizado. Sabemos também que o feto tem uma vida emocional: é
um ser que sente, tem emoções, experimenta prazer e desprazer, dor, tristeza,
angústia ou bem-estar; que é capaz de relacionar-se com sua mãe, captando seus
estados emocionais e sua relação afetiva com ele. O Útero também deixou de ser
considerado um lugar seguro, silencioso e totalmente recluso. Pesquisas
revelaram que o conjunto de :30ns constituídos pelos ruídos intestinais da mãe,
dos seus batimentos cardíacos e do fluxo de seu sangue nos grandes vasos que
abastecem o Útero e a placenta alcança um volume próximo daquele produzido pelo
tráfego urbano.--
II --
Este pequeno livro refere-se ao período pré-natal. E o pré-natal abrange
tudo o que se passa da concepção ao nascimento. Mas eu, assim como Nilsson, vou
recuar para o período anterior à concepção. E é para este período que solicito
sua especial atenção, uma vez que é minha convicção de que tudo que ocorre com
o ser, desde os primórdios de sua existência biológica - portanto, desde que
foi óvulo por um lado e espermatozóide por outro lado -, tem registro, e que
este registro, feito por meio de memória celular, está guardado nos nossos
arquivos de memória, uma espécie de banco de dados inconsciente.
Muito bem: vamos
então inicialmente nos deter no "nascimento" e trajetória do
espermatozóide na direção ao lugar de seu encontro com o óvulo.
Considerarei como seu
"nascimento" o momento em que, depois de ter permanecido armazenado
no saco escrotal de seu pai por um período de aproximadamente dois meses, é
ejaculado dentro da vagina daquela que virá a ser sua mãe, em companhia de mais
algumas centenas de milhões a ele iguais.
O meio ambiente com
que se deparam estes pequenos viajantes pode ser bastante hostil a eles, pois o
meio vaginal pode apresentar, ocasionalmente, condições desfavoráveis: um teor
de acidez acima do que a natureza do espermatozóide pode suportar, agindo sobre
suas caudas e paralisando-as. De seu lado, no entanto, os espermatozóides
secretam uma enzima que tem o poder de neutralizar esta condição desfavorável,
permitindo lhes avançar. Alguns sucumbem, porque são mais fracos; outros
perdem-se no meio do caminho. Os melhores nadam, agitando suas caudas, que são
o seu meio de locomoção. Atravessam o útero, depois de terem penetrado pela
cérvix; alguns desorientam-se; outros, no entanto, são "chamados"
pelo óvulo. Explico: sabe-se hoje que o óvulo "escolhe" os
espermatozóides dentre os quais irá selecionar aquele pelo qual irá se deixar
penetrar para tanto, as células que envolvem o óvulo secretam uma substância
química que atrai a uns mas não a outros.
Finalmente, o pequeno
punhado de sobreviventes que restou daquela multidão inicial aproxima-se das
cercanias do óvulo, depois de ter nadado contra a corrente e de ter enfrentado
Outro inimigo mortal: as células assassinas do sistema irnunológico da mãe,
cuja missão é detectar todo e qualquer corpo estranho e atacá-lo para matar.
Espertos, os diminutos espermatozóides "vestem" uma capa
protetora para esconder os seus antígenos, com o que conseguem burlar a
vigilância da sentinela postada para não deixá-los passar. Após atravessar as
linhas inimigas, um pequeno grupo de sobreviventes chega às portas do óvulo,
que para eles se configura imenso: o óvulo é 85 mil vezes maior do que o
espermatozóide! Cercam-no, nadando em volta.
Um punhado começa a operação "penetração": trabalham em
equipe, secretando a enzima cujo efeito é dissolver a membrana protetora que
envolve o óvulo e permitir a passagem de um. Finalmente um consegue! Pula para
dentro, literalmente mergulhando de cabeça. Neste momento, uma contra-ordem
elétrica se produz na membrana do óvulo, que se fecha, impedindo qualquer outro
de entrar.
A cabeça do espermatozóide mergulha dentro do óvulo. Mas a cauda, aquele
seu precioso instrumento de locomoção que lhe dava liberdade, fica de fora, é
amputada no momento da penetração.
E agora que a cabeça do
espermatozóide está dentro do óvulo, o que acontece com ela? Pois bem, ela
estufa, aumenta quatro vezes de tamanho em relação à dimensão original e abre
se, dando passagem ao núcleo contido dentro dela, núcleo este que traz toda a
bagagem genética do pai.
Uma vez liberado, ele se encaminha em direção ao núcleo que o óvulo
liberou. É um indo em direção ao outro, em movimento de mútua atração, até que
se encontram abrindo-se um para o outro num grande amálgama fusional.
Antes de prosseguir, volto-me para a odisséia do óvulo, que também
navegou - embora bem menos do que o espermatozóide e em águas bem menos
perigosas e turbulentas.
Ele é um só, enquanto o
espermatozóide era um entre centenas de milhões. É grande, forte, com uma
reserva protéica muito maior do que a do espermatozóide.
E,
sobretudo, ele está dentro de sua própria "casa". Ou melhor, dentro
da casa de sua própria mãe. O ambiente que o cerca é um ambiente familiar. O óvulo
não é, nem se sente, atacado. Sua composição genética é a mesma das demais
células daquele corpo de mãe. Não há antígenos seus mobilizando ataque de
anticorpos. Não há nenhuma guerra a declarar. Não há sentinelas inimigas a
burlar. Nem soldado inimigo postado para atacá-lo e exterminá-lo.
É verdade que sofre
uma queda, uma experiência deveras desagradável: ao ser expelido pelo ovário,
cai na cavidade abdominal, sem direção; lá os extensores da trompa o apanham
para conduzi-lo ao duto no qual irá se encontrar com o seu par.
Não possui mobilidade
própria; é carregado pelos cílios da trompa, que o vão levando devagarzinho em
direção àquele lugar onde deverá se "casar" com o seu par.
Voltemos ao encontro
e casamento. Um dentro do outro. O pequenino contido pelo grande, o grande
contendo o pequenino. Podemos considerar que neste momento dá-se o primeiro
nascimento do novo ser. Tão logo fundem-se os núcleos e é produzido o amálgama
cromossômico, o óvulo deixa de ser o que era antes, o espermatozóide deixa de existir
na sua identidade original, e nasce o novo ser, ao qual vou chamar de concepto.
E o que acontece com
o concepto tão logo ele passa a existir? Ocorrem duas coisas ao mesmo tempo,
uma positiva e outra negativa.
A positiva é que
dentro dele se dá uma explosão de vida: há uma fantástica expansão em relação
ao estado anterior de compressão dos gens existentes antes da liberação,
expansão esta que, ao se dar, libera muita energia.
A negativa é
que, tão logo ele passa a existir, é identificado como corpo estranho pelo
sistema imunológico da mãe. Explico: a bagagem genética do óvulo que era da mãe
foi acrescida da bagagem genética do espermatozóide que era do pai. A nova
composição genética contém a mistura dos dois, constituindo, portanto, uma
bagagem genética diferente da ovular original, que chama contra si os
anticorpos defensores do organismo materno.
Por que assinalo isso
com tanta ênfase? Porque, como você leve se lembrar, já mencionei que tudo o
que se passa com o novo ser, desde a emissão de cada uma das duas células
básicas componentes, tem um registro que fica guardado em nossos 1rquivos de
memória.
Por conseguinte, o
movimento de ataque ao novo ser por parte do organismo materno recebe um
importante registro: o primeiro registro do sentimento de rejeição.
Constitui-se neste momento a primeira matriz deste sentimento, que é um
sentimento dramático, possante, tão conhecido da grande maioria dos seres
humanos que a ele costumam reagir com muito sofrimento.
Este ataque por parte
do sistema imunológico da mãe ao concepto, além de resultar no imprint da
matriz do sentimento de rejeição, também irá cunhar o imprint da matriz
de um outro sentimento - ou afeto - muito básico e fundamental: o da angústia,
angústia de aniquilamento, de vida colocada em uma situação de risco extremo,
vida ameaçada de ser destruída.
Retomando a
descrição: o óvulo acaba de ser fecundado, há fusão dos núcleos, um novo
amálgama celular. Vinte horas depois da fusão, dar-se-á a primeira divisão
celular, a partir do que a cada doze ou quinze horas, dar-se-á nova divisão. As
divisões continuam: serão quatro, depois oito, dezesseis, trinta e duas células
e assim por diante. Este estágio é conhecido pelo nome de mórula, porque sua
aparência lembra a de uma amora. A mórula continua sua descida pela trompa,
levada pelos cílios. Este tempo de percurso dentro da trompa é muito crítico: o
concepto está exposto aos ataques fisiológicos provenientes do organismo
materno, que ameaçam a sua sobrevivência. As estatísticas informam que cerca de
75% dos óvulos fecundados são destruídos na trompa antes de alcançarem o útero.
Portanto, aqueles que o alcançam - e isso se referem a todos nós que estamos no
mundo - podem ser considerados sobreviventes.
Nos dez dias que se
seguem à concepção, este pequeno aglomerado de células em constante
multiplicação faz a sua descida até o útero. O blastócito, composto agora de
cerca de cem células, atravessa uma abertura estreita existente na passagem
entre a trompa e o útero e, num formidável salto, despenca como uma bola no
vazio.
Abro parênteses para o seguinte comentário: não será o
registro mnêrnico desta experiência celular o responsável pelo prazer que
certas pessoas têm em darem saltos no vazio, como os pára-quedista por exemplo?
Ou pelo temor de alturas que outros manifestam? Ou ainda, como no caso do
cineasta Spielberg, pelo gosto em reproduzir situações dramáticas, em que este
perigo é encenado mediante pontes que se rompem por cima de precipícios,
deixando os personagens pendendo em situações de extremo perigo entre a vida e
a morte, sem saber qual será o desfecho final?
Fecho parênteses. O
blastócito, após ter aterrisado no útero, vai procurar um lugar para se nidar.
Movimenta-se sobre a mucosa, procurando um lugar seguro - o "seu"
lugar - para se implantar. Mas antes precisa romper a bainha contensora, uma
espécie de invólucro protetor que o envolve. Quebra-a, livra-se dela: a massa
celular está agora liberada para se ligar à membrana acolhedora do útero. Há
novamente registro de um movimento de grande expansão-é a massa celular saindo
do estado de compressão. Neste momento, inicia-se a nidação: da massa celular
saem raízes que vão se fixar na parede uterina.
Este momento marca novo e importante
registro de contenção adotiva: agora é o útero adotando o concepto.
Contam-nos
os imuno-embriologistas que neste instante se produz uma espécie de pacto de
não-agressão no nível celular: o blastócito produz um muco cujas propriedades
químicas visam neutralizar o efeito provocado pelos antígenos sobre a mucosa do
útero, que de outra forma responde com irritação agressiva, visando a sua
destruição e conseqüente eliminação. Com freqüência, porém, tal pacto não se
realiza. Instala-se então uma guerra: o concepto, movido pelo seu instinto de
vida, trava verdadeira batalha para sobreviver, enquanto, do outro lado, o
organismo materno - movido por sua vez pelo seu instinto de vida - defende-se
do "invasor-agressor". Também desta experiência, de nidação ou
implante, ficarão registros significativos na nossa matriz básica, seja do
sentimento de adoção, de aceitação e acolhida, seja do sentimento de rechaço ou
rejeição.
No blastócito, começa
a diferenciação celular: uma parte se destina à formação do embrião e outra
parte se destina à formação da placenta, que é um órgão do embrião formado a
partir de células suas.
Com quatro semanas o embrião mede seis
milímetros, tem um corpo com uma cabeça, um tronco e uma cauda. Apresenta
rudimentos de cérebro, espinha, tubo digestivo. O sistema nervoso começa a se
formar no 18º dia, quando também se formam rudimentos dos olhos. A boca abre-se
pela primeira vez em torno do 28º dia e o coraçãozinho rudimentar começa a
bater, bombeando sangue para o fígado e a aorta.
Com cinco semanas,
mede um centímetro. Começam a despontar pernas e braços. Surgem pela primeira
vez movimentos bruscos, espontâneos.
Com seis semanas, o embrião mede um centímetro e meio. O seu
coraçãozinho apresenta de 140 a 150 batimentos por minuto, duas vezes mais que
o de sua mãe. Suas mãozinhas estão desenvolvendo dedos.
A partir deste momento, o embrião responde ao toque com movimentos
amplos e generalizados. Começam a aparecer os primeiros reflexos: se sua
mãozinha ou pezinho tocar a parede do útero, os dedos ou artelhos se
contrairão.
Se for feito um eletroencefalograma, seu traçado será semelhante ao do
adulto.
Com sete ou oito semanas, o embrião é capaz de realizar movimentos muito
simples de flexão de um braço ou de uma perna, pulso, cotovelo ou joelho. Um
ligeiro toque em sua face fá-lo-á desviar a cabeça.
O movimento é vital para o bom desenvolvimento dos os sos, das juntas e
das experiências sensoriais do feto - ou embrião --, incluindo aquelas que
derivam do movimento, e que são essenciais para o desenvolvimento de seu
cérebro.
O sangue do embrião absorve proteínas, gorduras e açúcar da placenta
para o constante processo de construção de suas células, e oxigênio para
alimentar o processo.
Com oito semanas, ele mede quatro centímetros; neste ponto do
desenvolvimento, os biólogos e embriologistas passam a se referir ao
ser-em-desenvolvimento como feto.
De feto a bebê
O feto vive dentro de um saco amniótico contendo um líquido que o
acolchoa e protege. Este líquido tem um teor de salinidade semelhante ao do mar
primitivo. Nesse meio ambiente flutuante e sem peso, os membros e o corpo têm
amplo espaço para se movimentar, mantendo suas articulações flexíveis.
Dentro cio seu corpinho, todos os
órgãos já estão no devi do lugar: tudo o que se encontra em um ser humano a
termo já está formado.
Ele agora é capaz de movimentar a cabeça, os braços e o tronco com
facilidade. Se a palma de sua mão for tocada, ele reage, fechando-a. Responde
às mudanças de posição de Sua mãe. Se Os seus lábios ou o seu nariz forem
roçados, responde com um movimento de curvatura do pescoço para se afastar do
estímulo. Se um fio de cabelo esbarrar em sua face, afasta a cabeça e estica os
bracinhos para afastar o cabelo. Fetos de oito semanas foram vistos fazendo um
movimento para afastar ou apanhar com a mão a agulha introduzida por ocasião do
exame de amniocentese.
Sua placenta produz os hormônios necessários para manutenção da
gravidez.
Entre a 10º e a 12º semana
após a concepção, o feto come um vigoroso programa de exercitação física,
rolando de um lado para o outro estendendo e flexionando as costas e o pesco
" agitando os bracinhos, dando chutes e flexionando os pés. Esta
movimentação se mantém, sem muita alteração, por todo tempo da gestação. É uma
movimentação graciosa e espontânea, uma coordenação que revela um tipo de
inteligência direcional.
Com doze semanas, mede sete
centímetros e meio, pesa quatorze gramas. É capaz agora de movimentar todas as
articulações de um braço ou de uma perna. Além de chutar e virar os és, dobra
os dedos, franze a fronte, aperta o:, lábios, abre a oca, coça a cabeça, faz
caretas, esfrega os olhos e engole o liquido amniótico.
Os seus pulmõezinhos primitivos e vazios expandem-se e contraem-se como
se estivessem ensaiando para quando precisar deles no momento do nascimento.
Se seus lábios forem tocados, ele responde com um movimento de sucção.
Se suas pálpebras forem tocadas, responde contraindo-as em vez de jogar o
corpinho todo para trás, como fazia antes.
Começa a chupar o dedo.
Fetos da mesma idade
começam a revelar variações individuais: suas feições começam a se
diferenciar; também começam a ficar evidentes diferenças nas expressões
faciais.
Com quatorze semanas, engole, chupa e respira. É capaz de movimentar os
braços juntamente com as pernas e, às vezes, pode-se ver o feto com as
mãozinhas levantadas. Começa a apresentar expressões faciais de agrado ou
desagrado.
Com
quinze semanas o feto apresenta todos os movimentos presentes em fetos a termo.
Com dezesseis
semanas, além de levantar as sobrancelhas, fazer caretas, coçar a cabeça e
esfregar os olhos, começa a desenvolver o sentido do paladar. Nesta idade, as
papilas gustativas já estão desenvolvidas, e surgem as preferências de gosto: o
feto faz caretas e pára de engolir quando uma gota de substância amarga é
colocada no líquido amniótico, enquanto uma gota de substância doce provoca a
aceleração da ingestão do líquido. Reage da mesma maneira à nicotina e ao
álcool ingeridos pela mãe, com o que evidencia o desagrado que lhe causam.
Na 19º semana, os seus movimentos
começam a ficar mais coordenados, contrastando com os movimentos iniciais, que
eram reflexos mais primitivos. Começa a dar "passos"; é capaz de
ficar ereto e impulsionar o corpinho para a frente, sustentando-se sobre uma
das mãos.
Na 26ºsemana da gestação, o feto abre os olhos pela primeira vez e, a
partir deste momento, comportar-se-á como um recém-nascido; fecha os olhos
quando dorme e abre-os quando está acordado.
Com 28 semanas todos os
fetos sadios piscam os olhos.
Até o sétimo mês o feto
pode movimentar-se livremente, até mesmo virar cambalhotas.
Mas a partir do oitavo mês, o ambiente torna-se mais apertado e quase
todo o espaço disponível está por ele ocupado. Começará então a fazer os
movimentos preparatórios necessários para o seu nascimento. Ao sentir-se pronto
e maduro, organiza-se para prosseguir o seu desenvolvimento fora do corpo de
sua mãe e separado dela.
III --
A existência de condicionamento pré-natal
para música foi constatada em recém-nascidos cujas mães cantarolavam determinada
cantiga popular durante todo o período gestacioo submetidos a testes após o
nascimento, estes bebes evidenciaram preferência pela melodia conhecida,
enquanto e bebês de controle não evidenciou tal preferência. Outra pesquisa,
realizada com um grupo de bebês expostos regularmente durante o período
gestacional a determinado tema musical tocado pela televisão, revelou que estes
bebês paravam entravam no "estado de alerta tranqüilo" ao ouvimusical
conhecido, o mesmo não acontecendo com os bebês do grupo de controle.
Gestantes
observam que seus fetos reagem com pulos a toques de buzina, fogos de
artifício, toque de tambor ou aplausos em concertos, e com hiperatividade a
filmes violentos.
Pesquisas realizadas com uso de tecnologia
avançada na Escandinávia revelaram que os fetos recebiam e armazenavam padrões
de fala que lhes eram transmitidos pelas suas mães. Fotografias e filmes
mostraram que os fetos exercitavam dentro amniótico movimentos neuromusculares
que leva. contato com o ar - ao choro e à vocalização. Estudando gravações de
choro de prematuros extremos de novecentos gramas, verificou-se, em alguns
casos, uma correspondência específica do choro com as entonações, ritmos e
outros fala de suas mães. Estes espectogramas coincidentes de mãe e feto por
volta dos cinco meses são evidencia não apenas da presença da audição como
também da linguagem no útero. A equipe de pesquisadores encontrou outra
evidência ia de linguagem no feto: recém-nascidos, de mães mudas, que não
choram ao nascer, ou que, tendo chorado, aprem choro estranho como se lhes
tivessem faltado aulas no útero.
Segundo
estudiosos do assunto, o feto ouve a voz de sua mãe já no quarto mês de
gestação, e a qualidade desta comunicação pode influenciar, no futuro, seu
desejo de comunicar-se: caso a voz da mãe seja cronicamente áspera e zangada,
poderá ficar associada a uma experiência desagradável e afetar a sua futura
disposição para a escuta e a comunicação.
O acima mencionado
Anthony DeCasper descobriu que os recém-nascidos discriminam e preferem a voz
de sua mãe a outras vozes, conhecimento que devem adquirir durante sua
experiência intra-uterina. São capa;:es de variar a freqüência de sua sucção
para obter o som da voz de sua mãe, em vez do som de outra voz feminina.
O aprendizado por
imitação envolve processamento visual. Constatou-se capacidade imitativa em
prematuros de 35 semanas: são capazes de discriminar e imitar expressões
faciais do adulto, expressando alegria, felicidade, tristeza ou surpresa.
A observação por ultra-som revelou
gestos cheios de intenção e sentido desde muito cedo. Observou-se que o feto
desloca-se no útero para fugir de um bombardeamento ultra-sonográfico de um
feixe de luz.
Os fetos expressam
estados emocionais de agrado e desagrado por me: o de seu comportamento,
movimentando-se. Os pontapés e a hiperatividade são reações pelas quais comunicam
desagrado pelo som de uma música mais violenta, ao bater de tambores, a filmes
de guerra ou de violência, a desastres naturais ou situações traumáticas
vividas pela mãe que nela produzam uma perturbação emocional.
E o chore expressa
dor, angústia ou sofrimento.
Reações de susto são evidenciadas por alterações
somáticas no feto: const3tou-se aumento excessivo e descontrolado de seus
batimentos cardíacos, de sua movimentação e atividade intra-uterina após o
orgasmo masculino ou feminino.
Quanto à. experiência
onírica do feto, sabe-se hoje que começa a sonhar a partir da 23ª semana
gestacional. Sonhar é importante, é um meio de elaborar experiências internas.
Supõe-se que os fetos sonhem com qualquer experiência que tenham tido até
então.
Durante o sono com
sonhos, observam-se alterações nas expressões faciais, que revelam
perplexidade, desprezo, ceticismo ou divertimento por meio de caretas, choramingos,
soluços, sorrisos, estremecimentos do rosto e das extremidades, alteração no
ritmo dos batimentos cardíacos e respiratórios, mudanças bruscas de posição de
membros e corpo.
Sorrisos no feto: os
primeiros sorrisos ocorrem durante o sono com sonhos. Expressam um estado
emocional prazeroso. Antigamente, costumava-se negar o significado dos
primeiros sorrisos observados em recém-nascidos; dizia-se que eram gases ou
espamos musculares. No entanto, os sorrisos são expressões preciosas de
sentimentos; representam comunicações significativas e positivas a serem
consideradas e valorizadas. Alguns Recém-nascidos chegam a dar risadas enquanto
estão dormindo. Tanto os sorrisos quanto as risadas representam experiências
cognitivas: são pensamentos acompanhados de uma emoção de alegria.
IV --
Soa estranha a você a
afirmação de que o feto tem uma personalidade?
Vamos por partes. Se
você tem filhos ou irmãos, você acha que eles são iguais? Desde criança, desde
que eram pequenininhos, você teve oportunidade de observá-los: cada um deles
tinha um modo próprio de ser, um jeito seu, bem diferente dos outros filhos ou
irmãos, não é mesmo?
No entanto, todos
eles são filhos dos mesmos pais, criados dentro da mesma casa, no mesmo
ambiente familiar sujeitos à mesma educação, aos mesmos modelos de pai e mãe.
Quantas vezes você teve oportunidade de observar e de fazer o comentário:
"Como é possível que irmãos possam ser tão diferentes?" ou: "Nem
parecem irmãos".
Pois bem, já tivemos oportunidade de mencionar que todas aquelas
capacidades e habilidades apresentadas pelo recém-nascido não surgiram de
repente. No capítulo anterior, assinalamos em que momento evolutivo do pequeno
ser elas foram surgindo.
Somos a primeira geração - note bem, este é um
privilégio considerável-a ter acesso a todo o imenso cabedal de informações
obtidas por meio do ultra-som. Podemos observar e o feto, o embrião, o concepto
e, ainda antes deste, as duas células reprodutoras que a ele deram origem, quer
por meio do ultra-som, da filmagem direta de imagens dentro do corpo.
Antes
porém de lhe falar a respeito do que a moderna tecnologia tem-nos permitido
saber a respeito da personalidade do
feto, vou-me deter na consideração de o que vem a ser temperamento, caráter e
personalidade.
O
temperamento é o conjunto de disposições biológicas e psicológicas do indivíduo
que determina o seu caráter. O cará1 vez, é o modo próprio de que é dotado
determinado para reagir. E a personalidade é o conjunto dos moos de ser, de se
comportar, de reagir e de sentir que do indivíduo tem e que o diferenciam de
outros indivíduos.
Acabamos de ver que a personalidade
seria então o conjunto de modos próprios de ser, reagir, sentir, comportar-se
enfim. Decorre então que entram como fatores componentes e determinantes da
personalidade, o que o indivíduo adquire por registro das suas próprias
experiências vivenciais, as) a herança genética que ele recebe de seus pais -
lembra-se da carga genética que o espermatozóide traz no núcleo contido em sua. cabeça e que entrega ao óvulo quando
se encontra, dando-se então a mistura das bagagens :Ia mãe naquilo a que me
referi como amálgama?
De importância
fundamental para o conhecimento do surgimento das características individuais
de personalidades no ser humano é uma pesquisa que está sendo desenvolvida em
anos recentes por uma psicanalista italiana residente em Milão, de nome
Alessandra Piontelli. É até mesmo minha opinião a de que a pesquisa
desenvolvida pela doutora Piontelli nestes últimos quinze anos irá revolucionar
o enfoque e o entendimento psicanalítico da mente humana.
Vou lhe contar em que
consiste o trabalho de pesquisa a que a doutora Piontelli vem se dedicando.
Tendo feito o seu treinamento psicanalítico na Inglaterra, dedicou-se durante
largos anos à técnica de observação de bebês desenvolvida pela psicanalista
kleiniana inglesa Ester Bick, na década de 1960.
De volta à Itália,
ocorreu à doutora Piontelli estender a técnica de observação de bebês ao
período pré-natal. O desejo de aprofundar seus conhecimentos sobre este período
teve relação com a sua experiência enquanto analista: trabalhando com crianças
pequenas, algumas muito perturbadas, e também\ com pacientes adultos com
comprometimentos emocionais graves, começou a esbarrar com freqüência em
material obviamente pertencente ao período intra-uterino. Como também
continuasse o seu trabalho de observação de bebês, sua atenção foi despertada
para as evidentes diferenças caracteriológicas individuais nos recém-nascidos a
cujos partos assistia.
Começou a se colocar perguntas quanto à origem do caráter
definido, já tão evidentemente manifesto no momento do nascimento: alguns bebês
nascem com uma disposição evidente para a vida, enquanto outros surpreendem
pela apatia. Também a intrigava a
questão referente às diferenças individuais entre os bebês: por que certas
crianças não conseguem esquecer o seu passado pré-natal? Por que outras a ele
retomam sempre que as circunstâncias externas se lhes configuram adversas?
Trata-se de um fator genético ou ambiental formativo ou constitucional? Para
realizar a pesquisa, adotou o seguinte procedimento: escolhidas as mães cujas
gestações iria acompanhar, estabeleceu com elas que compareceriam regularmente,
uma vez por mês, ao hospital em que trabalhava, e pelo período de uma hora
submeter-se-iam a uma observação por meio de ultrasom. Combinou também com as
mães que assistiria ao nascimento e acompanharia os bebês com observações
semanais durante todo o primeiro ano de vida.
Vamos agora ao observado por ela nesta experiência com fetos de aproximadamente a 14ª semana de gestação.
Em
primeiro lugar surpreendeu-se com a riqueza, variedade e complexidade de
movimentos que pôde observar nos fetos nos estágios mais iniciais da gravidez: ela os via
chupando, sendo, se coçando, esfregando os pezinhos e as mãozinha .
Supreendeu-a também a liberdade de movimentos que desfrutava dentro do líquido
amniótico.
Sua atenção foi chamada para as
diferenças individuais de cada feto: cada um adotava posturas próprias
diferentes das dos demais e relacionava-se de maneira muito peculiar com o
intra-uterino e com os seus objetos de relação, a placenta cordão umbilical.
Cada feto apresentava um de semm comportamento muito próprio e marcante,
provocando naqueles que assistiam ao exame exclamações do tipo: “Que bebê
calmo!", "Este vai ser um nervosinho", "Como este é
pensativo", "Esta vai ser uma bailarina", "Olha este usando
a placenta de travesseiro!", "Como trata mal o seu cordão umbilical!”
Nas observações realizadas nos meses
subseqüentes ao nascidoutora Piontelli constatou que as crianças continuavam a
apresentar as mesmas características por ela observadas durante o período
pré-natal e por ocasião de seu nascimento.
Estendeu também a sua pesquisa a pares de gêmeos. Suas
s, após ter acompanhado algumas gestações gemelares - gêmeos não univitelinos
-, são valiosíssimos subsídios para este novo
ramo da ciência constituído pela psicologia pré-natal. Destacarei alguns
aspectos de suas conclusões finais:
· em cada par de gêmeos havia uma notável diferença no temperamento de
cada um. Por exemplo, enquanto um se revelava dotado de evidente vitalidade,
procurando contato físico com o seu par, o outro apresentava-se retraído,
pouco ativo, pouco afetivo, fugindo e evitando o contato, recorrendo a gestos
agressivos e por vezes violentos, para repelir os avanços do irmão.
· os padrões de conduta observados tanto nos fetos das gestações
singulares como naqueles de gestações gemel ares mantiveram-se com as mesmas características
no período pós-natal, tendo sido também observados no decorrer de todo o
primeiro ano de vida.
· nos pares de gêmeos, observou-se também um padrão de conduta
inter-relacional, que apareceu desde muito cedo no período gestacional,
mantendo..se com as mesmas característic1s durante todo o tempo da experiência
intrauterina, continuando no período pós-natal.
Conclui-se, portanto que:
a) os padrões de conduta e de temperamento aparecem desde muito cedo no
período gestacional, tanto em fetos de concepções singulares como naqueles de
concepções gemelares não univitelinas;
b) as características individuai3 que puderam ser observada:, desde
muito cedo mantiveram-se e continuara pré-natal;
c) as diferenças de personalidade, evidentes e marcantes já em fetos de
quatro meses, serão características individuais das suas respectivas
personalidades pós-natais;
d) as características individuais estão presentes desde o tempo mais
inicial; as peculiaridades básicas apareceram desde as primeiras observações,
mantendo-se por todo o tempo da vida intra-uterina e manifestando-se com as
mesmas peculiaridades na vida pós-natal.
Concluindo este capítulo podemos afirmar
que os fetos diferem em suas identidades individuais assim como diferem as
pessoas das outras. Portanto, o feto tem, sim, uma personalidade marcante e
bem-definida que se manifesta desde o começo de sua existência intra-uterina, e
será aquela mesma ticas os pais irão conhecer logo depois que este TI como no
decorrer do seu primeiro ano de vida.
É no período pré-natal que o indivíduo
revela o seu caráter individual que mais tarde continuará a desenvolver com as
mesmas características observadas desde o início.
Para finalizar este capitulo chamo a sua
atenção, caro leitor, para a citação de Freud que figura no início deste livro,
e cuja procedência pode agora ser aferida por estudos como este realizado pela
doutora Piontelli, confirmando, setenta e tantos anos depois, a sua
extraordinária intuição e genialidade: “Há muito mais continuidade entre a vida
intra-uterina e a primeira infância do que a impressionante caesura do ato do
nascimento nos permite saber.”
5º --
Direi agora
algo a respeito das memórias pré-natais propriamente como e quando começou-se a
observar a sua existência.
Já
mencionei que memórias pré-natais e referentes ao nascimento começaram a
aparecer espontaneamente durante sessões de pacientes hipnotizados para outros
fins e que os terapeutas não sabiam como interpretar, uma vez que ainda não
existiam os conhecimentos que permitissem lhes dar validade.
Freud, já em 1900, em A interpretação
dos sonhos, referia-se de fantasias relacionadas com a vida intra-uterina
cimento. Ilustra com alguns sonhos de pacientes, que faz acompanhar do
comentário: "Sonhos como este são sonhos nascimento". E diz: "O
ato do nascimento é a primeira experiência de angústia do indivíduo, vindo a se
constituir na fonte e no protótipo do afeto de angústia". E, em 1909 acrescenta:
“Aprendi a levar em conta as fantasias relacionadas com a vida intra-uterina.
Elas explicam o terror manifestado por cere serem enterradas vivas e
justificam a crença na uma vida após a morte que nada outro é senão a projeção
no futuro da misteriosa experiência do período anterior ao nascimento".
Menciona também sonhos em que o sonhador se via flutuando, ou igual a uma bola
ou uma pequena esfera, sem que ele, Freud, possuísse ainda elementos que lhe
permitissem atribuir os significados que somos hoje capazes de lhes dar, em
função do que agora sabemos: trata-se de imagens relacionadas com vivências
extremamente precoces, pertencentes ao período celular.
Será na
Inglaterra e América do Norte que, no decorrer da década de 1970, fora do
âmbito da psicanálise propriamente dita, dar-se-á um verdadeiro boom na
exploração dos níveis mais profundos da mente por meio de terapias regressivas.
Nos
Estados Unidos e Canadá atualmente há grande número de terapeutas que, mediante
o emprego de técnicas regressivas variadas, trabalham com resgate de memórias
tanto pré-natais como de nascimento, traumáticas e não-traumáticas, assim como
daquelas relacionadas com a experiência da concepção e elos momentos que se
seguem a ela - a experiência na trompa, a nidação - e todas; as experiências
celulares anteriores à concepção - do óvulo e do espermatozóide. Estas
situações têm sido trabalhadas visando à investigação e também a um efeito
terapêutico - segundo crêem estes terapeutas - mediante a promoção de catarses
dos pontos de trauma.
O norte.-americano
David Chamberlain trabalha explorando, sobretudo as memórias do nascimento,
mediante emprego da técnica ele hipnose. Em um livro publicado em 1988 relata
suas experiências clínicas, fornecendo evidência da veracidade das informações
referentes a detalhes de nascimentos obtidas em sessões de hipnose com
pacientes, e confirmadas \ por suas mães, igualmente submetidas à hipnose.
Grof, pioneiro no
emprego do LSD para efeito de regressões profundas desde a década de 1960, acumulou
e publicou vastíssimo material recolhido em sessões de regressões com pacientes
sobre registros inconscientes existentes na mente, dos traumas experimentados
durante o processo do nascimento. Relata em seus livros as formas em que se
encontram representadas na mente as várias etapas - sentidas e registradas
como traumáticas e ameaçadoras - do nascimento.
Josephine Van Husen,
empregando outras técnicas regressivas, recolheu vasto material sobre
registros mentais traumáticos de pacientes que sobreviveram a tentativas de
aborto e de sobreviventes de abortos praticados em que um gêmeo teria sido
abortado.
Tanto o material
recolhido por ela como aquele recolhido por Grof evidenciam as profundas
marcas deixadas na mente por estas
experiências traumáticas pré-natais, cujas repercussões psicológicas se
manifestam na vida pós-natal.
O californiano
William Emerson e o australiano Graham Farrat, promovendo regressões mediante o
emprego de técnicas respiratórias, buscam criar situações que permitam a
descarga catártica da experiência traumática original, relacionada com o
nascimento e com todo o período pré-natal, considerando os imprints, mais
iniciais, desde a emissão do espermatozóide, do óvulo, o encontro dos dois, a
concepção, a multiplicação celular, a descida pela trompa, a queda no útero, o
implante e demais registros traumáticos ocorridos durante a experiência
intra-uterina.
Emerson desenvolveu
uma técnica pioneira por meio da qual diagnostica e trata recém-nascidos
marcados por traumas pré e perinatais, obtendo - segundo suas observações e
depoimentos - uma completa remissão dos sintomas.
O trabalho clínico
destes terapeutas tem fornecido subsídios para o conhecimento da existência e
operância dos traumas pré0natais. Porque este quer sejam natais, pré-natais, do
momento da concepção ou anteriores a ela, têm o poder de reger a conduta
pós-natal, determinando padrões psicopatológicos, psicossomáticos e de
comportamento, num movimento regido por repetição compulsiva que somente pode
ser desfeita mediante a identificação verbalizada - interpretação portanto - ou
ab-reação catártica (descarga emocional terapêutica) seguida de uma
verbalização que conceitua.
É neste ponto que o
caminho da psicologia pré-natal cruza com o da psicanálise. É minha opinião que
precisamente nos pontos de registros traumáticos pré-natais é que se encontram
estabelecidas as raízes mais profundas de determinadas psicopatologias, bem
como de afecções psicossomáticas, objeto por excelência da psicanálise.
Considero que todas as experiências biológicas pelas quais passa o ser desde a
sua pré-concepção até o seu nascimento, ficam registradas em uma matriz básica
inconsciente.
E, como já dizia
Freud em 1900: “No inconsciente nada se esgota, nada é passado nem esquecido
(...) e o que costumamos descrever como sendo o nosso caráter baseia-se nos
traços mnêmicos de impressões, sendo que aquelas que maior efeito têm sobre nós
são precisamente as que raramente virão a ser conscientes”.
6º --
COMUNICAÇÃO INTRA- UTERINA
ENTRE MÃE E BEBÊ
Existe uma comunicação entre mãe e feto durante
todo o período gestacional. Esta comunicação se dá por meio de tr
vias: a do
comportamento, a da fisiologia e a via empática.
Vamos examinar inicialmente como se dá
a comunicação pela via fisiológica, uma vez que é por seu intermédio que as
emoções da mãe são veiculadas ao bebê.
Até há relativamente
pouco tempo achava-se que a placenta funcionava como uma barreira protetora,
deixando passar apenas os nutrientes e impedindo que substâncias nocivas chegassem
ao feto.
Hoje esta noção mudou
radicalmente: sabe-se que a placenta não funciona como barreira protetora,
tampouco filtra substâncias tóxicas ou nocivas ao bebê dentro do útero de sua
mãe.
Sabe-se hoje que
quaisquer substâncias ingeridas pela mãe são passadas ao feto. Assim, o fumo, o
álcool e as drogas atravessam a placenta e afetam nocivamente o bebê. Por
outro lado, as perturbações emocionais maternas que nela provocam alterações
neuro-hormonais, ou em sua pressão arterial, também irão repercutir sobre o
estado neurofisiológico do feto. Ou seja, seu estado emocional.
Como ocorre isso?
Todo e qualquer estado de
perturbação emocional da mãe de qualquer pessoa - é acompanhado por alterações
bioquímicas: as suas células nervosas passam a secretar quantidades maiores de
determinadas substâncias nem'odo que aquelas que são normalmente secretadas
está tranqüila. Os neuro - hormônios que o organismo passa a produzir quando
ela está emocionalmente perturbada são lançados na sua corrente sangüínea e,
através dos ao feto pelo cordão umbilical.
Dá-se o nome genérico de
catecolaminas às substâncias neuro-hormonais
secretadas em níveis aumentados pelo organismo da mãe quando ela está em
um estado emocional de maior tensão, ao qual hoje em dia se denomina estresse.
As catecolaminas podem atravessar a placenta, provocando no feto um estado de
perturbação semelhante àquele sentido pela mãe.
Uma catecolamina da qual você certamente
já ouviu falar é a adrenalina. A adrenalina é aquela substância que nossa
glândula supra-renal secreta quando levamos um susto, fazendo disparar nosso
coração, suar frio, deixando-nos trêmulos.
Outras
catecolaminas menos conhecidas por pessoas leigas são a noradrenalina, a
serotonina, a oxitocina, a epinefina, a norepinefrina e a dopamina. Todas elas,
uma vez lançadas na corrente sangüínea, produzem sensações psicológicas associadas
ao temor e à angústia. Quando presentes na corrente sanguínea da mãe, atravessam
a barreira placentária entrando na corrente sangüínea que abastece o feto por
meio do cordão umbilical. O feto irá então sentir a mesma perturbação emocional
pela mãe: temor e angústia. Portanto, o temor e a angustia transmitidos ao
feto pela mãe têm, na sua origem, um caráter eminentemente fisiológico.
Outros
estados emocionais da mãe, além daqueles relacionados com temor e angústia,
também causam nela alterações neuro-hormonais que irão afetar o bebê: são os
seus estados de tristeza profunda, depressão ou melancolia. Nestes estados ocorrem
alterações neuro-hormonais (bioquímicas) com uma série de substâncias, dentre
as quais, principalmente, a elevação do nível de cortisol, que, lançado na
corrente circulatória, pode afetar fisiologicamente o feto ou provocar nele uma
reação do "fechar-se" em uma espécie de "escudo protetor"
para ficar ao abrigo do efeito doloroso causado por tais substâncias.
Nos estados de
depressão e de melancolia da mãe, além de o feto ser afetado fisiologicamente -
leia- se, emocionalmente -, pode ocorrer outra agravante: a mãe, solicitada
pela sua tristeza profunda ou entregue à sua depressão, deixa de estar
afetivamente disponível para ele, deixando-o só.
No entanto, a
disponibilidade afetiva - que faz parte da\ via de comunicação empática -
parece ser de fundamental importância para o feto. Tudo leva a crer que ele
necessita de ajuda da mãe para processar as impurezas e toxinas por ela
produzidas e por ela a ele passadas, das quais ele sente necessidade de se livrar
mediante uma desintoxicação realizada pela sua mãe para ele. Mas, se o estado
emocional da mãe não favorece tal disponibilidade, se ela retira sua libido do
contato com este hóspede passageiro que ela se dispôs a albergar, ela o deixa
abandonado a uma situação de injusta sobrecarga e desamparo, com a qual ele
sozinho não tem condições de lidar.
A disponibilidade
afetiva da mãe é fundamental para que ocorra o desenvolvimento psico-afetivo do
indivíduo, de célula a feto, de feto a bebê, de bebê a criança.
As lesões provocadas
na estrutura emocional do ser por acidentes graves ocorridos na comunicação
entre a mãe e o bebê durante o período pré-natal vão constituir imprints traumáticos,
cujos efeitos propagar-se-ão, seguindo o modelo de propagação das ondas
acústicas, vida afora.
De
recursos dispõe uma mulher grávida para efetuar um contato deliberado com seu
bebê pré-natal?
Ela
pode, em vários momentos do dia, dedicar a ele uma ida: com ele conversando
baixinho contando da suas atividades e
ocupações, dos preparativos feitos para recebe-los cantarolando cantigas de
ninar, acariciando-o com ternura através do seu ventre, dedicando-lhe muito
carinho. Nestas conversas intimas, dentre outras, ela poderá também lhe
explicar o que teria transtornando
emocionalmente poucos momentos
antes.
Certas
perturbações emocionais são inevitáveis e fazem parte do cotidiano de qualquer
grávida. Mas é importante lembrar da existência de recursos como o acima
mencionado, mediante o qual é possível abrandar e até mesmo neutralizar o seu
efeito negativo: quando a mãe vive momentos de estresse agudo ou alguma
situação de perturbação emocional, o feto é inundado como já vimos por uma
descarga neuro-hormonal de substancias fisiológicas que lhe causam sensações de
pânico ou angustia profunda.. Em tais momentos, o pequeno ser, que não conta
ainda com recursos próprios para discernimento ou discriminação, experimenta
uma sensação muito radical de aniquilamento ou de ameaça de extermínio total.
As marcas
deixadas por tais situações vão se constituir em imprints negativos, núcleos
geradores de pessimismo e desperança. As conversas tranqüilizadoras que a mãe
pode ter com o seu bebê visam restituir a ele a sensação de segurança, otimismo
e esperança, reforçando e reassegurando a permanência do vínculo de vida entre
ambos.
Os sentimentos
negativos de abandono, desamparo, pessimismo, desesperança, desconfiança têm
suas raízes fincadas na experiência pré-natal. Lembre-se de que, desde as
primeiras situações da vida biológica, houve experiências de rechaço
fisiológico e rejeição imunológica, que também receberam imprints, deixando
marcas negativas. A partir destas, no decorrer da vida, são emitidos sinais
negativos do tipo: “não sou desejado”, “não sou querido”, “não sou aceito”,
“não sou acolhido”, “não pertenço”, reproduzindo, em outro nível, a angústia sentida pelo ser por ocasião do primeiro registro pré-natal.
Como você está vendo,
a experiência intra-uterina não tem aquela conotação de segurança absoluta que
antigamente lhe era atribuí-la.
Para concluir, desejo
fazer um último assinalamento: neste período absolutamente inicial da
existência, a todo trauma biológico corresponde um correlato psíquico.
7º --
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--
A caminho do nascimento: uma ponte entre o biológico e o psíquico.
Rio de Janeiro; Imago, 1988.
INDICAÇÕES PARA LEITURA*
Infelizmente ainda é
escassa a literatura em português sobre este assunto tão novo e tão fascinante.
Recomendo-lhe, em
primeiro lugar o excelente livro do neonatologista norte-americano Marshall
Klaus, intitulado O surpreendente recém-nascido, editado pela Editora
Artes Médicas, de Porto Alegre. A edição brasileira deixa muito a desejar em
relação à original norte americana, sobre tudo no tocante às reproduções
fotográficas. Este livro, escrito pelo casal Klaus em 1985, é um texto
absolutamente atualizado, tanto no que se refere às capacidades do
recém-nascido quanto no que traz a respeito do desenvolvimento
psico-fisiologico do feto.
O livro de Thomas
Verny, A vida secreta do bebê antes de nascer, lançado nos Estados
Unidos em 1981 e publicado em Português em 1989, numa boa e bem cuidada edição
feita por C.J. Salmi, representa uma boa leitura para quem quiser
familiarizar-se mais com o assunto.
Recomendo também o
livrinho de Frederick Leboyer, Nascer sorrindo, lançado pela Editora
Brasilense em 1974, ano de sua publicação na França. Além do Cérebro, de
Stanislav Grof, publicado nos Estados Unidos em 1987 e editado no Brasil,
representa uma leitura mais difícil e densa. E fatos da vida, de R. D. Laing,
editado pela Nova Fronteira em 1982.
O livro
que mencionarei a seguir você não pode perder, embora tenha dificuldade para
encontrá-lo: trata-se de uma belíssima realização da Editora Globo, Nascer é
assim. Lançado em 1987 no Brasil, contendo as extraordinárias reproduções
fotográficas de Lennart Nilsson e um texto singelo de Sheila Kitzinger,
contando a história do bebê desde a sua pré-concepção até o seu nascimento;
este livro nada deixa a desejar em lições estrangeiras.
E finalmente, um livro de minha autoria:
A caminho do - uma ponte entre o biológico e o psíquico.
Lançado pela Editora Imago em 1988 é o relato da minha trajetória pesto
psicanalista, que me conduziu à constatação, alho clínico, da presença de
registros mnêmicos de biológicas iniciais da existência. Esta constatação
levou-me a formular uma nova proposta teórica em psicanálise os efeitos psíquicos produzidos pelos
primeiros traumas, sobretudo daqueles que se encontram "a caminho do
nascimento". Conto neste livro como fui gradualmente elaborando hipóteses
a respeito da gênese de certas configuras patológicas, investigando em
profundidade crescente o rico campo de formação da mente no período pré-natal,
da pré-concepção ao nascimento.
Finalmente, deixarei registradas aqui algumas indicações de leitura em
língua estrangeira, caso o leitor tenha o interesse e a oportunidade em
adquiri-las: Babies Remember Birth, de David Chamberlain, publicado por Jeremy
P. Tarcher, Los Angeles, 1988; Pre and Perinatal Psychology - Na Introduction,
editado por Thomas Verny, publicado por Human Sciences Press, Nova York, 1987;
A Child is Born, de Lennart Nilsoon, texto de autoria de Lars Hamberger,
publicado por Delacorte Pressl Seymour Lawrence, 1990; Prenaral and
Perínaral Psychology and Medicine - E'1counter with the Unbom, editado
por Peter FedorFreybergh, publicado por Parthernon Publishing Group,
Grã-bretanha, 19'98; Realms af the Humans Unconsciaus e The Adventure
of Self Discovery; de Stanislav Orof e os livros dos ingleses Frank Lake e
Francis Mott.
Dois livres recém-editados em português vêm se somar à
lista. Trata-se 3e Nove meses na vida da mulher, de autoria de Myriam
Szejer (Editora Casa do Psicólogo, 1997) e Decifrando a linguagem dos bebês,
organizado por Marie Claire Busnel (Editora Escuta, 1997).
E por último, não
menos importante, os "Anais do I Encontro Brasileiro para o Estudo Pré e
Perinatal (Abrep, 1993)" e "Decifrando a Linguagem dos Bebês",
Anais do II Encontro \ (Aprep, 1997).
PARTE II
UM NOVO OLHAR SOBRE O
BEBÊ
"No ventre de sua mãe o
homem conhece o Universo e esquece-o ao nascer." Martin Buber [Eu e Tu]
Os olhos que hoje olham para o bebê que nasce enxergam coisas que os
olhos de nossos pais não sabiam ver
E o que é que estes
olhos vêem?
Eu vou lhe contar e
você vai se encantar.
Em recente Colóquio
realizado em Paris, organizado pela
"Causa dos Bebês"!, ouvi o seguinte relato
feito por uma parteira; surpreendera-se com os gritos de um bebê que acabara de
nascer - era um urro de protesto, enérgico e
determinado; foi difícil acalmá-lo. Pouco depois,
nascia outro bebê com o mesmo tipo de urro e com expressão semelhante. Deu-se
conta que entre os dois havia algo em comum: ambos os nascimentos haluzidos.
Compreendeu que, à sua maneira, esses bebês exigiam uma satisfação. Depois
dessa experiência, passou verbalmente aos bebês, nascidos em tais circunstancia
pela qual fora preciso incomodá-los. Esta mesz ainda outro relato: certa vez,
passando pelo corredor das salas de parto, ouviu o nascimento de um bebê. Ao
entrar na sala, deu-se conta de que se tratava de um bebê portador de uma fenda
palatina. Contemplando-o, dirige..se mais, teremos que avaliar a extensão
desta fenda no palato do seu nenê". Nesse momento, o bebê -
jogando a cabecinha para trás - abre a boca num grande bocejo, expondo o
pálato, dispensando assim qualquer manobra invasiva. Concluiu:”Através da minha experiência com os bebês,
convenci-me de que pequeninos e frágeis fisicamente, eles são dotados de uma força
surpreendente.. Sabem tudo. Compreendem tudo. O bebê é uma
pessoa”.(1) 1. "La Cause des Bebés" foi fundada em 1995 por
Myriam Szejer e Marie Claire Busnel, após a participação de ambas no II
Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal [ABREP];
impactadas com o interesse e participação do público presente ao Encontro,
sentiram a necessidade de contar com um espaço semelhante na França, afim de
nele congregar pesquisadores e profissionais da área para uma troca de idéias e
de experiências.
Vou lhe fazer mais um relato que,
somado ao anterior, lhe dará uma idéia clara sobre o que vem a ser este
"novo" olhar que mencionei.
Trata-se do depoimento de um pediatra francês. Recebe um recém-nascido
de dois dias, que nascera em querendo apenas verificar se estava tudo bem.
Martim, o bebê, está aos gritos na sala de espera. Gritos dilacerantes. Feitas
a primeira consulta, o pediatra constata
que está tudo bem, tendo o bebê se acalmado com a intervenção da palavra falada
e a ele dirigida, com muita competência, pelo pediatra durante a consulta. É
marcado um retorno para a semana seguinte. Repetem-se, na sala de espera, os
mesmos gritos da vez anterior. A mãe expressa estranheza: "Tudo ia tão
bem desde a ultima consulta, mas ao entrarmos aqui, Martim recomeçou a urrar
como da outra vez.” O pediatra registra o comentário, sem no entanto ainda
entender. No retorno marcado para daí a um mês, repetem-se os gritos do bebê
desde sua chegada à sala de espera. Foi somente não longo da consulta aos três
meses de idade, que as circunstâncias propiciaram um entendimento. Martim, um
belo e forte bebê, calmo, paciente e atento, logo ao chegar, transforma-se
subitamente em um amontoado de angústia, desespero e lamentos que expressa
através de gritos, acalmando-se novamente na presença do pediatra. Mas a mãe
continua muito transtornada e começa a falar: "Este corredor_.. Eu não
me havia dado conta de que eu o conhecia, já o tinha
percorrido... uma vez, bem no início da gestação; vim fazer uma consulta
para uma interrupção voluntária da gravidez..." Sua voz embargada se
rompe numa emoção genuína, enquanto Martim está com toda a atenção presa à fala
de sua mãe. O pediatra intervem com uma fala que impressiona pela competência e
sensibilidade: "Mas então, Martim, você é um verdadeiro fruto do
amor. No início, quando você estava no ventre de sua
mãe, ela não sabia se teria condições de ficar com você, protegê-lo e
ajudá-lo a crescer. Sobretudo ela não sabia se isso seria possível para ela.
Você vê, o seu pai e a sua mãe encontraram a resposta dentro de
si. Decidiram se lançar, junto com você, na grande aventura da vida. E esta
viagem que há um ano vocês estão fazendo juntos é tão extraordinária e
maravilhosa que eles até esqueceram que já tinham estado neste mesmo
corredor: Foi você quem os fez se lembrarem que neste corredor, quando
se toma à direita, em vez de chegar ao meu consultório, chega-se no
Serviço de Interrupção Voluntária da Gravidez." A partir
desse dia, Martim passou a comparecer às consultas calmo e sorridente; nunca
mais chorou. [2]
Deu para perceber?
Retomo a citação de Buber: "No ventre
de sua mãe, o homem conhece o Universo..." , mas
- pergunto agora - será mesmo que ele o esquece ao nascer?
Os tempos
mudaram. Os conhecimentos avançaram. A sua divulgação hoje é veloz. Hoje,
graças à mídia, o que constituía novidade dez anos atrás é quase lugar comum.
Saber a respeito das capacidades do recém-nascido e do feto, tais como: que o
bebê quando nasce é capaz de enxergar, de distinguir a voz e o rosto de sua
mãe; de reconhece-la pelo cheiro; de estabelecer com ela um contato olho-a-olho
e de imitar expressões faciais do adulto2, e da mesma maneira - que o feto é um
ser inteligente e sensível, que apresenta traços de personalidade próprios e
bem definidos, dotado de uma vida afetiva e emocional, estando em comunicação
empática e fisiológica com a sua mãe pré-natal, captando seus estados
emocionais e sua disposição afetiva para com ele- faz hoje parte de
conhecimentos que são de domínio público.
O bebê nasce sábio. E é deste bebê sábio que quero lhe
falar. Deste bebê que - a cada novo dia - está sendo objeto de interesse, de
descobertas, atenções, pesquisas e trabalhos. 2 Desde que esteja no estado
tranqüilo de alerta, um dos seis diferentes estados de consciência do
recém-nascido, os outros são: sono profundo, sono com sonhos, estado acordado
sonolento, estado ativo de alerta e estado de choro ou grito.
PSICANÁLISE DE BEBÊS
Vou começar pela psicanálise
de bebês e de recém-nascidos.
O desempenho do pediatra que atendeu o bebê Martim ilustra a prática
cada vez mais freqüente e difundida na França, a da intervenção com a palavra
falada dirigida a bebês e a recém-nascido;. É na França que se realizam neste
momento as experiências e pesquisas mais inovadoras nesta área. É lá que a
"escuta" para O que "dizem" os bebês e até mesmo os recémnascidos
está mais aguçada.
E no que consiste a
psicanálise de bebês e de recém-nascidos? [3,4,5]
N a intervenção com a palavra falada, a palavra da
verdade - como a ela se referem os psicanalistas franceses [e logo mais
veremos o porquê desta designação] dirigida a bebês3 - quando estes manifestam
sofrimento. Trata-se, portanto, de uma verbalização. Come se faz com o adulto.
1 no estado tranqüilo de alerta, um dos seis diferentes estados de 'm-nascido,
os outros são; sono profundo, sono com sonhos, estado
E o que é verbalizado? Na psicanálise de
bebês, o psicanalista apreender - através do relato que lhe fazem os _s que
cuidam do bebê, o que em sua história, ou seja, durante a sua vida
intra-uterina, ou na história da família antes dele vir a ser - teria constituído
o dos sintomas que ele apresenta. O psicanalista conversa com o bebê como se
estivesse falando com um adulto, para ele o que foi capaz de apreender. Os
bebês reagem visivelmente a essas palavras, respondendo com sobressaltos
acompanhados de grunhidos, com o que expressam os sentimentos provocados por
estas revelações. O efeito dessa experiência verbalizada evidencia-se no corpo
elo bebê; os sintomas desaparecem. Isso porque tendo o bebê sentido que o
sofrimento - expresso pelo sintoma - foi entendido, também sente que o seu
apelo, seu pedido de ajuda, foi atendido. É este o significado da
"contenção" a que se referem os psicanalistas : a intervenção com uma
palavra falada que veicula entendimento, o
que por sua vez pode promover transformação. Trata-se, portanto, de
verter para o lugar em que pode ser "pensado” algo que antes de
contar com o significado dado pela l, era apenas sentido sem ser entendido.
Ele
entende o que lhe é dito porque isso se refere às expeviveu. O psicanalista
estabelece as conexões enas e a história do bebê e de sua família. O corpo
guarda memória. O papel do psicanalista é o ele nomear estas locando a palavra
lá onde existe apenas um significado não dito, uma falta de palavra.
É a isso que os psicanalistas c;ferem como sendo a palavra da verdade. É
aquela palavra que contém o significado verdadeiro do acontecido com o bebê.
Como já
disse, o bebê utiliza a linguagem do corpo para se expressar; ele recorre a um
amplo espectro de sintomas para se comunicar.
E quais são os
sintomas aos quais recorre o bebê? Ele vomita, regorgita, tem diarréias ou
constipação, cólicas; recusa seio, fica anoréxico, apresenta bulimia, chora sem
parar; dorme em excesso ou fica acordado em demasia; apresenta problemas de
pele; hipotonia; não aumenta de peso; apresenta-se apático ou grita sem parar.
Através destes sintomas ele expressa a dor de sua alma.
Para ajudá-lo a entender melhor o que acabei de expor, vou me valer dos
relatos de duas psicanalistas de bebês: o de Caroline Éliacheff em seu livro Corpos
que gritam e o de Myriam Szejer em Palavras para nascer.
Éliacheff relata o caso do menino Olivier a quem atende em
consulta aproximadamente aos dois meses de idade. O bebê fora dado para adoção
por sua mãe biológica, porque ela tinha muitos outros filhos e não tinha meios
para criá-la. Olivier aguarda numa instituição do Estado a data legalmente
estabelecida pela legislação francesa para que a adoção seja feita. O prazo de
espera corresponde a um tempo estabelecido pelas autoridades para que a mãe
biológica possa mudar de idéia e voltar atrás em sua decisão. Mas a mãe de
Olivier não voltara atrás e ele foi considerado adotável. A partir desta
situação começam a aparecer sintomas no corpo do bebê que até então estivera
bem. Crostas impressionantes apareceram em seu rosto e couro cabeludo; sua pele
começou a descamar; suas vias respiratórias Congestionadas começaram a chiar.
Os médicos não conseguiam lidar com os sintomas apresentados pelo bebê. É
quando decidem encaminhá-la à psicanalista Éliacheff.
Olivier comparece à consulta nos braços da berçarista
que cuida dele. Esta relata à Éliacheff a sua curta trajetória. Após apreender
o que lhe pareceu ser o suficiente para entender, a psicanalista faz a sua
primeira intervenção com a palavra falada. Diz a lê o quanto a sua mãe queria
bem: ao fazer a opção de dá-lo para adoção, escolheu este caminho para lhe
oferecer oportunidades de vida melhores do que aquelas que lhe dar. Éliacheff
prossegue, dizendo; lhe que ele achava que, para ser aceito pela sua família de adoção, precisava mudar de pele
para ficar com uma pele branca diferente da sua pele original [é quando o
leitor fica sabendo que o bebê era negro]. Fim da primeira consulta. Após uma
semana, Oliver retorna. Sua pele estava perfeitamente curada; mas a sua
respiração havia se tornado mais ruidosa do que o relato da berçarista,
novamente Éliacheff se dirige ao bebê, acariciando com a mão o seu umbigo, e
diz: “Quando você estava no ventre de sua mãe, você não respirava.Sua mãe o
alimentava através da placenta à qual você estava ligado pelo cordão
umbilical.. Este cordão chegava aí no lugar onde está minha mão. Ele
foi cortado quando você nasceu. O que eu estou tocando se chama umbigo, é a cicatriz deste corte.
Quando você nasceu, o cordão foi cortado
e você foi separado de sua mãe que havia decidido que assim
seria. Você está respirando muito mal, talvez para reencontrar a sua mãe de
antes da separação, quando I dela e não respirava. Mas se você
decidiu viver, você não pode viver sem respirar. A sua mãe de antes,
você a traz dentro de si, dentro do seu coração. Não é por você
ter respirado que você a perdeu. Não é deixando de respirar que
você irá reencontra-la”.
Quando
Éliacheff termina a sua fala, constata, abismada tanto quanto a berçarista - que a respiração
do bebê estava normalizada! [6]
Myriam Szejer apresenta o caso de uma recém-nascida, Lea,
sobrevivente de uma gestação gemelar, em que havia sido praticado fetocídio
seletivo por indicação médica, uma vez que a sua gêmea apresentava uma
mal-formação que tornaria inviável a sua sobrevida pós-natal. Lea, a
sobrevivente, recusa-se a mamar e a presença da psicanalista é solicitada.
Quando a Ora. Myriam entra no quarto em que estão ambas, mãe e filha, dirige-se
diretamente à Léa: "Sua irmã Sofia, que viveu ao seu lado dentro do
ventre de sua mãe e cujos movimentos você sentia, morreu. É por
isso que, antes de nascer, você deixou de senti;la se mexendo ao
seu lado. É também por isso que você não mais a está vendo, nem voltará
a vê-la. Claro, você pode guardar a sua lembrança viva em você, mas ela
nunca mais estará ao seu lado." Três dias mais tarde, Myriam retoma,
encontrando uma situação tensa. Léa havia emagrecido muito. Foi preciso
entubá-la para alimentá-la com o leite materno, mas ela regorgitava e todos
estavam muito preocupados. Novamente, Myriam dirige-se a Léa: "Me
parece, Léa, que você quis nascer, mas agora parece que você não decidiu ainda
se você quer mesmo viver e por isso você reluta em comer. Para
viver é preciso comer. Você tem uma má formação no pé [havia
sido informada pela pediatra], mas isso nada tem a ver com a má-formação que
vitimou a sua irmã. Você não vai morrer disso. Apenas mais tarde, será operada e
terá então um pé normal." Orienta as enfermeiras para que dêem o
leite materno à Léa no copinho, a fim de que ela provasse o gosto do leite de
sua mãe em sua presença. E à mãe sugeriu que colocasse o bebê em contato
pele-a-pele sobre o seu ventre, para que pudesse escutar os batimentos
cardíacos, sentir o seu calor e o seu cheiro. Visava com isso reconstituir para
Léa seus referenciais pré-natais, estabelecendo um elo de continuidade entre o
antes e o depois do nascimento, uma vez que Léa estava muito deprimida e não
conseguia se assumir viva em função da gêmea morta. Myriam considerou que
mediante o reencontro destas sensações, perdidas em função da brusca separação
do corpo de sua mãe, Léa poderia se assumir viva e fazer do luto pela irmã, uma
experiência de vida ao em vez de se identificar com ela num movimento de morte.
No dia seguinte, a bebezinha havia feito a opção pela vida: dispôs-se a mamar
no peito por ela mesma em grande quantidade e duas semanas depois deixava a
maternidade.
Estão aí duas ilustrações que lhe permitem
apreender o que vem a ser a palavra da verdade a que eu havia me referido:
trata-se de pôr em palavras o substrato essencial contido na experiência
traumática vivida pelo bebê, seja antes de nascer seja logo após o nascimento.
Trata-se de “traduzir” para ele os seus próprios sentimentos, que ele apenas
sente sem saber o que sente. O psicanalista nomeia para o bebê o que antes era
apenas sentido; ao nomear, coloca a palavra lá onde existia apenas um
significado não dito, um vazio de palavra.
O PREMATURO NA UTI NEONATAL
Como já tive
oportunidade de dizer; na França não apenas os psicanalistas sabem se dirigir
ao recém-nascido desta maneira, com a palavra da verdade; equipes inteiras de
profissionais da saúde que atendem os bebês - sobretudo os prematuros contam
com este preparo, competência e adequação, permeando serviços de neonatologia,
creches e berçários.
Não podemos deixar de
considerar que se trata de importante legado deixado por Françoise Dolto.
Diversos serviços de neonatologia contam com psicanalistas em suas equipes de
atendimento, como Myriam Szejer, na Maternidade do Hospital Antoine Béclere, em
Clamart e Catherine Mathelin, no Serviço de Neonatologia do Hospital
Delafontaine, em Saint-Denis. Catherine Druon, no Serviço de Medicina Neonatal
do Hospital Port-Royal, especializou-se na técnica de observação de bebês pelo
método de Esther Bick, adaptada para a observação de prematuros hospitalizados,
como faz Romana Negri na Itália. [7]
Em nosso meio, graças a uma natural propensão da cultura brasileira para
absorver o novo e à especial dotação para lançar mão da intuição, muitas destas
abordagens estão sendo introduzidas pelos profissionais que integram as equipes
de atendimento dos serviços de neonatologia (berçaristas, neonatologistas, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, intensivistas).
Estas equipes de atendimento estão sendo treinadas para apreender os
mínimos sinais de comunicação emitidos por estes pequenos seres que pesam por
vezes apenas 700 gramas. Ao se estar atento para uma observação mais apurada,
pode-se perceber neles, desde muito cedo, esboços de comunicação com o outro.
São manifestações de prazer, dor, espera ou fuga; eles assim expressam - à sua
maneira - vivencias subjetivas.
È importante que aqueles que lidam com recém-nascidos, particularmente
em berçários de alto-risco, levem em conta que o bebê - desde o nascimento - é
um ser humano destinado a falar e a que se fale com ele.
Assim, todo e qualquer procedimento que com ele for feito - doloroso ou
não - deve ser verbalizado antes ou durante o procedimento É importante
dirigir-se à criança chamando-a sempre pelo nome, quer seja parra tomar um
banho, trocar-lhe as fraldas ou no caso de ter que misturar um procedimento
doloroso [punção ou aplicação de uma injeção) - verbalizar o que será feito e a
razão pela qual terá que ser feito. Adotando-se este procedimento - o de
sempre verbalizar o que será feito - os observadores constataram que os bebês se acalmam muito mais depressa;
é como se sentissem menos dor.
Preparar
equipes para lidar com os bebês não é tarefa nem difícil nem impossível. Uma
coisa tão simples como ensinar berçaristas a dizerem - por exemplo - a um
bebezinho ao acorda-lo “estou te acordando porque preciso te fazer uma punção;
desculpe por estar te machucando, mas é para o teu próprio bem” não é
complicado. Ou, ensinar a verbalizar procedimentos tais como banhos de luz - no
caso de bebês ictéricos - explicando ao bebê o que está sendo feito, o tempo
que vai durar o procedimento e dizer-lhe que, depois de findo, a venda de seus
olhos será tirada e ele irá encontrar de novo a sua mãe de quem esteve separado
- isso tampouco é complicado. Precisa apenas ser ensinado.
Como já mencionei,
terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas integram, hoje em dia, as equipes de
atendimento aos prematuros; cabe a estes profissionais estimular o corpinho do
bebê, massageando-o de acordo com uma técnica apropriada, visando com isso
oferecer à criança possibilidade de reinvestir o seu corpo d e uma forma
prazerosa, e não somente sob uma forma utilitária e de cuidados, sejam eles
dolorosos ou não. É interessante observar que se o prematuro não quiser ser
moles_ tado, dará sinais disso evidenciando que prefere ficar entregue a si
mesmo; isso deverá ser entendido e respeitado.
Uma UTI neonatal é extremamente barulhenta: o ruído do motor das
incubadoras, os barulhos da sala em que os adultos falam alto, depositam
ruidosamente objetos metálicos ou outros em cima de qualquer superfície ou
tamborilam nas incubadoras enquanto observam o bebê, tudo isso constitui
uma agressão considerável para o extremamente sensível aparelho auditivo do
recém-nascido. Estudos recentes revelam um alto índice de perda de função
auditiva em crianças que foram submetidas a estes estímulos ruidosos em UTI
neonatal. Portanto, além do estresse provocado por tal falta de sossego
infligida a um ser que deveria ainda estar dentro do ventre de sua mãe
amadurecendo seus sentidos, há a considerar os efeitos danos sobre os sistemas
nervoso e auditivo que necessitam de um ambiente tipo "estufa" para
alcançar o ponto de relativa maturação em que este ser possa ser colocado no
meio ambiente fora do útero de sua mãe para "prosseguir viagem". O
número excessivo de vezes - 234 - em que o recém-nascido é tocado ou manipulado
no decorrer de um dia numa UTI neonatal impede-o de fazer a sua “restauração”
através do sono reparador, ou da quietude de que cada um de nós necessita para
se refazer dos desgastes diários.
Existe
recursos aos quais se pode recorrer sem dificuldade e que terão
uma importância muito grande para a vida psíquica deste pequeno ser que
acabou de nascer, que sofre com a separação prematura do corpo de sua
mãe, considerando sempre que tal separação representa uma experiência dolorosa
que requer elaboração.
E quais
são estes recursos? Inserir na incubadora de um prematuro uma peça de roupa da
mãe impregnada com seu cheiro, uma fita-cassette Poe ela gravada falando
docemente com o seu bebê, ou uma fita-cassette contendo uma música que a mãe
costumava escutar ou cantarolar durante a gravidez. É importante ter em mente o
significado para um recém-nascido que acabou de sair de um espaço confinado
dentro do qual viveu meses junto de sua mãe, para um estado de nudez sem
contenção, com os olhos vendados, num espaço aberto das incubadoras submetidas
à fototerapia - é certamente traumatizante. Toda e qualquer experiência
traumática, na medida do possível, deve ser acompanhada de verbalização, elemento
indispensável para que possa ser feita a sua elaboração.
Dor no feto e no recém-nascido
Passarei agora a um outro assunto que também entrou na seara dos novos
conhecimentos há relativamente pouco tempo. Trata-se da questão da existência de
dor, tanto no feto como no recém-nascido.
Hoje
sabemos que a partir da sétima semana gestacional estão instalados os
receptores sensoriais e as vias de condução do estímulo nervoso, em função do
que, desde muito cedo, o feto é sensível à dor. Este vem a ser um dado de
extrema importância em vista de uma nova área da medicina inaugurada há também
pouco tempo: a medicina fetal. Saber que o feto sente dor torna-se fato de
extrema importância a ser considerado nas várias modalidades de intervenções;
cirúrgicas intra-uterinas que hoje - graças aos avanços da tecnologia - vêm
sendo praticadas com crescente freqüência.
Mencionei a
existência de dor no feto; vou me deter na do recém-nascido. Os conhecimentos
referentes a este assunto são também muito novos. Consultando a bibliografia da
tese de doutoramento da Dra. Ruth Guinsburg [1993] - "Dor no recém-nascido
prematuro e ventilado" [8] - constata-se que 90% dos trabalhos referidos
datavam daquela Última década, sendo que a maioria datava daqueles Últimos dois
anos. Citando a autora; "Os recém-nascidos [prematuros] sentem dor (...)
Quase tudo que é feito para e pela criança é doloroso (...)" Em sua
tese, Ruth Guinsburg sustenta que a criança pode morrer de dor, porque fica
metabolicamente descompensada. E afirma ainda: ,"O recém-nascido tem
uma linguagem; ele não fala a mesma linguagem que nós adultos falamos; ele tem
uma linguagem própria; cabe a nós entender esta linguagem; ele recorre a ela
para nos comunicar que sente dor e nos mobilizar para que façamos alguma coisa
por ele" [9].
Até o inicio da
década de 1980, elevado índice de pediatras ignorava a existência de dor no
[feto e] recém-nascido [10], em decorrência do que intervenções dolorosas e
pequenas cirurgias -- como a circuncisão, por exemplo - eram praticadas sem
anestesia! Se nós enquanto psicanalistas consideramos que toda experiência
traumática tem registro e é guardada num banco de dados inconsciente
produzindo seus efeitos vida a fora, fácil é entender que m. ecos destas
experiências dolorosas e traumáticas far-se-ão ouvir à grande distância,
repercutindo sempre.
O BEBÊ: UM SER DE COMUNICAÇÃO
O Prof. Colwyn Trevarthen, da
Universidade de Edimburgo vem, há mais de trinta anos, se debruçando sobre o
universo, psíquico do bebê e do recém-nascido, estudando o seu comportamento e
o seu desenvolvimento. Em trabalhos recentes, temnos dado contribuições
importantes, referentes à capacidade de comunicação dos bebês [11]:
"A criança nasce com uma intersubjetividade inata à qual a mãe responde
intuitivamente melhor do que qualquer outra pessoa (...) A mãe procura
se adaptar ao que faz o bebê. Este, capaz de perceber as
emoções de sua mãe, é extremamente atento para identificar o ritmo
e a qualidade do emitido por ela. Intercambiam assim as suas respectivas
emoções e se unem em um mútuo prazer e excitação para a
comunicação."
Trevarthen
chama a isso de proto-comunicação. Para explicar estes comportamentos
tão complexos - e os delicados contatos regulados emocionalmente - propõe que
devemos supor que o bebê seja dotado de um sistema cerebral fundado
provavelmente sobre redes de células nervosas subcorticais e pronto a reagir
com flexibilidade a uma variedade específica de informações que somente o
suporte de um parceiro humano pode proporcionar. E acrescenta: “O bebê
nasce com um conjunto de capacidades inatas perceptivo-motoras que o preparam
para empreender a comunicação (...) O desenvolvimento da comunicação a partir
do nascimento revela a motivação inata e primordial da criança para
entrar em contato com os sentimentos, interesses e intenções do outro. (..)”.
Trevarthen considera que para o
recém-nascido o mundo externo já existe; ao nascer, o bebê demonstra interesse pelas
pessoas e objetos que o cercam. Afirma que o bebê nasce com um self
suficientemente desenvolvido para fazer a distinção entre self e outro, e que
esta capacidade encontra-se estabelecida desde antes do nascimento. Sua
observações o levaram a concluir que, em suas linhas gerais, o sistema
emocional está completo antes do nascimento e rege a consciência, a ação e o
aprendizado a partir do nascimento.
Pa
confirmar as afirmações de Trevarthen, volto para as a Ora. Alessandra
Piontelli [12]. Mencionei suas pesquisas na primeira parte deste livro, no
capítulo referente à personalidade do feto. Recapitulando: há cerca de
trinta anos uma pesquisa de observação de fetos através do ultrassom. Com um
subseqüente acompanhamento destas cri vida pós-natal, até a idade de quatro ou
cinco anos. Seu objetivo era o de verificar se existe ou não continuidade de
comportamento antes e depois do nascimento e de m observações pré e pós-natais
de gêmeos - questões referente à
individualidade, uma vez que constatava a m caráter absolutamente definido
evidentemente manifesto nos bebês no momento do nascimento. Para além do já
exposto, cabe acrescentar que fica claro - a partir de relatos posteriores deus
- que existe uma intencionalidade nos gestos e na movimentação, assim como o reconhecimento da presença de um outro
diferente do “si mesmo” (13). Estas crianças acompanhadas na vida pós-natal -
particularmente os gêmeos - revelaram, através do brincar e do verbalizar, que
procuravam reproduzir passagens de sua vida pré-natal. Tais constatações
levaram a Dra. Piontelli a concluir que até uma determinada idade aproximadamente,
4 anos -- as crianças pequenas lembram de suas experiências pré-natais e que
tais atividades não representam uma simples reprodução desse passado, tampouco
uma repetição compulsiva. Piontelli entende que se trata de uma reconstrução
desse passado, num esforço para associar emoções e lhe dar um significado.
Trata-se, portanto, da busca de uma elaboração. A partir desta idade, estas
memórias são esquecidas, cessando as atividades que dramatizavam o passado
prénatal bem como as verbalizações que a ele se referiam. Em virtude desta
constatação concluiu que, num determinado momento do desenvolvimento
psico-afetivo da criança, ocorria um total esquecimento do passado
intra-uterino; chamou a isso de amnésia infantil.
Neste momento, a
atenção da Dra. Piontelli está especificamente voltada para o estudo
observacional pré e pós-natal de gêmeos. A acuidade de sua observação lhe
permite notar diferenças mínimas e assimetrias existentes na localização dos
gêmeos no útero. Considera que estas diferenças - aparentemente pequenas -
podem, no entanto, ter um efeito explosivo no estabelecimento dos perfis
psicológicos e no comportamento na vida pós-natal. O fato de o ambiente
intra-uterino não ser nem idêntico nem compartilhado de maneira igual pelos
dois componentes do par produz diferenças comportamentais até em gêmeos
monozigóticos, dotados de um patrimônio genético idêntico. O feto gêmeo
é afetado não apenas pelas inúmeras influências do ambiente intra-uterino, mas
também pela interação com o outro gêmeo. No melhor dos casos, diz
Piontelli, ele precisa lutar para se nutrir; no Pior, ele pode
ser gravemente - se não mortalmente - ferido pelo seu co-gêmeo. As
diferenças originais e a sensibilidade acrescida às condições iniciais, com
todos os efeitos que disso decorrem durante este período particularmente
agitado e sensível, podem desempenhar um papel mais importante nas diferenças
chamadas constitucionais do que outros fatores que afetam a vida depois do
nascimento.
A LINGUAGEM DOS BEBÊS
A linguagem dos
bebês: sabemos entendê-la? é o título do livro organizado por Marie Claire
Busnel, contendo depoimentos de profissionais da saúde que lidam com bebês, de
mães e de pais. Ele constitui importante contribuição no que tange os
testemunhos à as várias formas em que, na vida pós-natal, se manifestam as
apreensões feitas pelo feto durante a sua experiência intra-uterina. Através
destes relatos, alcançamos a amplitude da linguagem com que os recém-nascidos e
bebês comunicam as apreensões que trazem de sua experiência intrauterina. O
caso que lhes relatei, do pediatra francês que atendeu o pequeno Martim,
ilustra isso.
Como estou abordando as contribuições de Busnel, vou aproveitar pan
mencionar as suas pesquisas em audição fetal e neonatal. Destacarei algumas: o
feto tem os mesmos estados de consciência que o recém-nascido [sono tranqüilo,
sono com sonhos, acordado, estado tranqüilo de alerta e estado ativo de alerta]
e, da mesma forma que este, só é capaz de prestar atenção quando em estado
tranqüilo de alerta. Através de suas pesquisas, sabemos que o feto ouve e
escuta. Ele ouve e escuta a voz de sua mãe e da de seu pai, desde o sexto mês
de gestação e também os ruídos de fora do útero (antes disso ele “ouve” com a
pele, como nos ensinam os haptonomistas). Ele tem memória; diferencia a voz de
um homem da de uma mulher; reconhece um texto ou uma música previamente ouvidos
e é capaz de reconhecer cheiros. É no seu sono com sonhos que o feto memoriza,
elabora e integra, à sua maneira, os dados sensoriais de sua experiência
intra-uterina, sob a forma de registros de prazer-desprazer.
Ao fazer o experimento com
recém-nascidos de dois-três dias, Busnel constatou que eles preferem uma voz ao
silencio e que preferem uma voz feminina à masculina, e voz de sua mãe -mesmo
gravada - à de uma mulher; discriminam os sons agudos dos graves e a sua língua
materna dentre as outras.
Durante a
experiência intra-uterina, em cada estágio de seu desenvolvimento, uma ou outra
forma de sofrimento pode estar sendo experimentada. Este sofrimento, no
entanto, mesmo que inscrito no período pré-natal, somente poderá ser “escutado”
e decodificado após o nascimento.
Atualmente, Busnel está pesquisando as reações
do feto quando sua mãe se dirige a ele em voz alta e quando ela a ele se dirige
em pensamentos. Estes resultados ainda não foram publicados, mas Busnel adianta
que são surpreendentes.
Já tivemos
oportunidade de ver - quando falei da psicanálise de bebês - que os bebês usam
a linguagem do corpo para se expressar. Aprendemos com Myriam Szejer que o bebê
- e o feto também - é um ser desejante; ele é dotado de um irredutível desejo
de vida. Longe de ser um mero organismo em desenvolvimento, trata-se de um
individuo que expressa seus desejos e sua personalidade, lutando pelo seu
direito à vida e pelo respeito à sua autonomia e individualidade, tendo
intencionalidade em suas atitudes, em seu comportamento e em suas manifestações
motoras e somáticas. Quando este desejo de vida estiver sendo contrariado, é
que os sintomas aparecem.
O choro do bebê é
entendido hoje como uma tentativa de comunicação com a mãe. Se esta tentativa
fracassar, se ela não for entendida, o corpo irá sediar a linguagem através dos
sintomas.
Aprendemos com a
psicolingüista Benedicte de Boysson Bardies que o recém-nascido, mesmo de
poucas horas de vida, tem sede de palavras. Demonstra interesse pelas palavras
que lhe são dirigidas: presta muita atenção e costuma abrir a boca bem grande
como para engolir a voz que se debruça sobre ele. Logo saberá distinguir os
ruídos da casa, ou do hospital, das palavras carregadas de significado.
Os recém-nascidos são
sensíveis aos afetos; com dois dias de vida podem ser registradas as suas
reações, que diferem quando a mãe lhes fala de maneira triste, alegre ou
zangada [Masakowski, 1996]. De fato, os recém-nascidos são sensíveis ao que se
lhes diz; prematuros ou não, exigem sentido. Se reagem à voz de sua mãe e às
palavras ditas, deixam, no entanto de reagir se esta Lhes chega através de um
gravador contendo a mesma fala, com a fita passada de trás para diante. A
linguagem dos recém-nascidos - como os bebês compreendem o que lhes é dito - é
uma área que está começando a ser desbravada.
A sensorialidade
fetal e precoce e a linguagem têm como denominador comum a memória. Na área das
neurociências, mencionarei rapidamente três pesquisadores que trouxeram
contribuições importantes para o estudo da memória: o francês Jean-Pol Tassin,
o norte-americano Gerald Edelman e a também norte-americana Candace Pert.
Tassin e Edelman estudam a função de
memorização do cérebro, enquanto a contribuição de Pert refere-se à função dos
neuropeptídeos como veiculadores e distribuidores das informações por todo o
corpo.
Tassin (14) baseia-se no modelo de
tratamento analógico do cérebro. A entrada repetida de uma mesma informação
cria uma memória. Cada memória corresponde a um estado mínimo de energia. Este
estado pode ser considerado como um "tanque de impulsos” que atrai, na direção da memória
armazenada, todas as informações que lhe são próximas, e as torna analógicas a
essa memória. Assim o sistema nervoso central trata a informação em paralelo e
reconstitui, a partir de elementos esparsos, uma informação completa. Essas
memórias se constituem antes Segundo Tassin, as mensagens sensoriais que o
recém-nascido recebe podem somente ser tratadas de um modo analógico
inconsciente. Portanto, as lembranças-aprendizado não poderão ser r trazidas
volitivamente à consciência, pois seu foi feito por um processo que não é
imediatavel com o funcionamento do sistema nervoso to em estado de vigília.
Edelman.15,16] demonstra que o cérebro evolui agregando novas capacidades
de criar um número cada vez maior de áreas operacionais, sem precisar de
programas inatos para funções especificas. Ele demonstra que, no decorrer do
desenvolvimento cerebral do embrião, forma-se um esquema de comente variável
e individualizado entre os neurônios. Após o crescimento, um esquema de
conexões neuronais aparece para cada indivíduo, mas, em resposta aos estímulos
sensoriais recebidos pelo cérebro, apenas certo combinações o selecionadas. A
memória não seria a réplica de uma imagem no cérebro, mas uma atividade que
produz categorias novas, de um passado reconstruído em função do presente, com
a estimulação ativando formas de traços a partir dos quais se opera uma
reconstrução que resulta numa lembrança.
Candace
Pert (17) pesquisa neuropeptídeos - moléculas fabricadas pelas células nervosas
- e seus receptores. Estas substâncias bioquímicas são as substâncias da
informação, moléculas mensageiras que a transportam, circulando e ligando o
cérebro, corpo e mente, possibilitando o seu processamento e o seu
armazenamento. Elas transitam entre os sistemas - nervoso, endócrino e
imunológico - e entre as funções de cada sistema, constituindo desta maneira
uma rede de comunicação.
MEMÓRIA CELULAR
Você deve estar
lembrado quando no terceiro capítulo da primeira parte, ao tratar da fotografia
intra-uterina, eu lhe dizia que era premissa básica deste livro considerar que
todos os acontecimentos biológicos pelos quais passa o ser na sua
trajetória de célula a bebê - todos, sem exceção - ficavam
registrados numa memória, a que chamei de memória celular [18].
Vou agora procurar
explicar melhor a que me refiro quando falo em memória celular. Vou recorrer,
em primeiro lugar, a algumas formulações de minha autoria4. Todas as
experiências biológicas ocorridas com o ser desde a formação de cada uma de
suas duas células básicas componentes - (espermatozóide e óvulo até o momento
de seu nascimento, são registradas em uma protomente por meio de uma memória
celular. Virão a constituir a nossa phantasia básica inconsciente, que fica
depositada no fundo das nossas mentes, sob a forma de uma matriz básica que, no
decorrer de nossas vidas, irá se manifestar toda vez que um fato da realidade
atual esbarrar num destes registros básicos. Nesse momento, dar-se-á um aflorar
do contido neste “ corpúsculo” de memória presente na matriz básica evocada,
que irá se instalar na mente com todo o colorido afetivo-emocional pertencente
aquela primeira experiência original que está sendo evocada. Será assim para as
emoções básicas de angustia, inveja, ciúme, sentimento de rejeição, de
exclusão, de abandono, de desamparo, de miséria, privação; mas também de
acolhida e aceitação - para mencionar algumas. Poderíamos portanto considerar
que todas estas emoções são phantasias5 - ou melhor: memórias emocionais,
evocações, transferências.(19) 4. “Anatomia” apresentado em reunião
cientifica da Sociedade Brasileira de Psicanálise, em novembro 1983 e “Gêneses”
em outubro 1986.
Ao propor a existência
de uma matriz básica inscrita por meio de uma memória celular, eu propunha que
qualquer célula do nosso soma - desde os primórdios de nossa existência - tem
uma “psique”: todas “sentem” e “pensam” e será este “sentir” e este “pensar”
que é registrado na memória celular. Portanto, a phantasia básica inconsciente
seria a representação no plano psíquico dos registros referentes aos fatos e
fenômenos ocorridos no nível somático, nos primórdios da nossa existência
biológica. Com o que estou considerando a phantasia como sendo uma memória e
não uma criação da mente: ela se refere sempre a algo que realmente aconteceu;
mas o fato registrado pela memória celular ocorreu em um momento em que não
havia ainda condições para a mente tomar dele conhecimento; o seu armazenamento
pode ter sofrido distorções, superposições, deformações. Mas o colorido básico
se mantém.
Quem diz isso muito bem é o psicanalista californiano
Michael Ian Paul (20): “Possuímos agora crescente e convincente evidência de
que há receptividade mental no primeiro mês do desenvolvimento embrionário
(...) Assim há vestígios de estruturas embrionárias primitivas tais como
notocordomas e quistos de fendas branquiais no adulto humano, que se manifestam
na vida adulta sob formas patológicas, podem também existir estados psíquicos
primitivos que são vestígios do estado mental fetal [...] registrados
em engramas ou resíduos mnêmicos, que se apresentam com variados
graus de expressividade [..,] Em determinadas situações, estes
estágios de desenvolvimento mental podem dominar a mente do adulto
e estas memórias e "interpretações" feitas pela mente fetal
encontram expressão. "
Complementando o que
formulei sobre memória celular, trago o testemunho dos psicanalistas franceses,
Olivier e Varenka Marc [21], que trabalham com crianças pequenas: “Tudo é
memória. O ser vivo sente e guarda. O organismo não esquece nada I...] A criança
sabe tudo sobre o seu passado, sobre as suas vivências celulares,
embrionárias, fetais..”. 'Tem consciência de suas origens consciência
celular de si mesma, consciência das divisões celular, em si... Nosso
corpo não esquece nada do que tenha experimentado".
Observando os
desenhos produzidos por uma menina durante a sua trajetória analítica, dos
dezoito meses aos seis anos de idade, perceberam que estes reproduziam momentos
de seu desenvolvimento embrionário [de célula a feto]:
"Ficamos com a impressão de que a trama de fundo de todos os
desenhos desta criança era a sua história pré-natal, seus nove meses de vida
intrauterina, toda a história de seu desenvolvimento embriológico [..,]
Separamos desenhos de outras crianças, e constatamos que em
todos compareciam evocados aspectos da vida prénatal. [...] E não se
trata apenas de uma intuição; quando comparamos documentos
embriológicos com os desenhos infantis, e estes Com grande
nÚmero de desenhos tradicionais que existem em todas as Culturas,
percebemos que todos relatam situações idênticas. Hoje temos acesso à
confirmação disso através da microfotografia intrauterina e da
ultrassonografia (...) O ser humano nunca inventou nada que não tenha
experimentado. Esta hipótese da permanência
sensorial e da permanência do vivido ou experimentado no período
pré-natal parece ser cada vez mais confirmada pelos progressos da embriologia.
(...) Os primórdios da vida psíquica estão inseridos no corpo. Ao estudarmos a
arqueologia - ou a pré-história - da consciência, constatamos que (no inicio)
consciência e matéria estão confundidas; vemos uma matéria que cresce e se
desenvolve. Não há consciência aparentemente; trata-se apenas de uma matéria em
desenvolvimento. Trata-se ainda de uma consciência não consciente. Será a
partir do momento em que a criança pode colocar esta representação numa imagem,
é que concluímos que está ocorrendo um processo de consciência.(...) O corpo se
lembra, mas não pode simbolizar. Acreditamos que a vida começa no momento do
encontro entre o óvulo e o espermatozóide e que aí começa um processo de
armazenamento de memórias no corpo. (...) O corpo armazena sensorialmente tudo
o que foi experimentado desde o estado celular. E em função das situações,
certos acontecimentos podem ser experimentados ou re-experimentados, muitas
vezes muito mais tarde, traduzidos por um desenho ou um movimento, com um
realismo interno absolutamente incrível”.(22) 6.Tradução livre da autora.
VINCULOS AFETIVOS E O BEBÊ ADOTADO
Você conhece a dor
por perda? Algo que era seu e que deixou de ser seu de repente? Isso pode se
referir a coisas; mas a perda é, sobretudo dolorosa quando se refere a pessoas.
Essa "dor por
perda" resulta dos investimentos afetivos com os quais envolvemos as
pessoas e as coisas com as quais convivemos. Tais "investimentos" vão
constituir os "vínculos". 50' mos essencialmente seres de vinculação
porque nós - seres humanos - somos seres de afetos. São os afetos que nos
ligam: uma energia psíquica que nos acompanha em tudo que fazemos, vivemos:
experimentamos e que é constantemente projetada sobre "o que" ou
"quem" estivermos nos relacionando. São os nossos "'elos de
ligação". E assim somos desde que fomos constituídos: porque já as duas
células germinativas das quais resultamos receberam um investimento afetivo
desde que se originaram. Já elas foram investidas desta energia que acompanha a
vida e dá um sentido afetivo a tudo que fazemos e vive, mos. Todas as,
experiências posteriores foram se somando àquelas iniciais. Portanto, quando o
bebê nasce, ele já vem com uma bagagem de afetos.
Pois bem
imagine um bebê que acabou de nascer, que saiu de dentro do corpo de sua mãe
que albergou durante todo o período inicial de sua existência que de repente se
vê privado da possibilidade de retornar ao contrato com ela. A proximidade
sensorial do recém-nascido com a mãe através do contato pele-a-pele, do toque,
da audição, do olfato e da visão - contatos com este outro corpo que ele
conheceu antes de nascer e que ele re-conhece agora - são estruturantes; eles
reatualizam o vínculo pré-natal. E isso fornece os alicerces para o
estabelecimento de sua identidade.
Posto isso, penso que torna-se fácil
visualizar o que acontece com o bebê que, ao nascer, é separado de sua mãe para
ser dado em adoção.
Creio que pintei com cores
suficientemente dramáticas o significado e a repercussão que esta ruptura tem
na mente de um bebê que, logo depois de nascer, é separado de sua mãe para
sempre, perdendo-a com os significados que ela para ele tem.
E aqui introduzo, sem me deter, o
significado das “barrigas de aluguel”: tudo que expus até agora por si e
dispensa outros comentários.
Mas, voltando à adoção. Há situações em
que a ruptura acontece e não tem como ser evitada. Como então lidar com o
inevitável que é tão profundamente traumático? Como ajudar este bebê a fazer a
transição difícil do antes para o depois, sem contar com os elementos
necessários?
Todo ser humano tem a necessidade de
sentir uma continuidade na constituição do seu ser, para estabelecer a sua
identidade e as condições necessárias para isto lhe são dadas pelo contato com
os pais. A dor que a ruptura deste contato produz na alma do bebê é muito
grande; uma dor que ele sente sem entender o que sente, porque lhe faltam as
“ferramentas” para ele poder “se pensar”. Esse imenso sofrimento de alma irá se
expressar através de sintomas; será à linguagem do corpo que a alma sofrida irá
recorrer.
Neste livro, trato de
psiquismo pré-natal, com o que pressuponho que é no período anterior ao
nascimento que se encontram as nossas raízes. Um ser que nasce e ao nascer é
cortado de suas raízes, se vê privado da transição e continuidade necessárias
para a constituição de sua identidade... Como será o seu desabrochar?
A nossa identidade é
constituída mediante assimilações que fazemos - pela via dos afetos - em
momentos-chave de nossa trajetória - de aspectos e atributos dos seres que nos
cercam. Ela se constitui em função de nossa história pessoal e da história de
nossa família e da de nossos antepassados. A brutal ruptura na continuidade de
ser deste bebê que é separado de sua mãe ao nascer precisa ser preenchida por dados
o mais próximos da verdade.
Você deve estar
lembrado, quando no capítulo referente à psicanálise de bebês e de
recém-nascidos, eu falava dos "não ditos". Pois bem, toda esta
situação relacionada com as origens do ser, com as raízes da criança dada para
adoção, pertence ao assunto dos "não ditos". A criança dada para
adoção está com o seu mundo interno carregado de "não ditos". Estes
precisam ser preenchidos por uma palavra prenhe de verdade, que se refere
àquele ser e às suas origens pré e perinatais, para que o indivíduo-bebê possa
elaborá-la e assimilá-la. Uma verdade mutilada constituir-se-á em pontos de
traumas não elaboráveis, obstáculos do desenvolvimento.
Se a separação do
corpo da mãe é traumática por definição e, em circunstâncias normais, o ser
irá requerer muito tempo para elaborá-la, o que dizer do bebê que nasce
"sabendo" que nunca mais irá reencontrar a sua mãe de antes de
nascer, com a qual estabeleceu o vínculo mais forte e importante de toda a sua
vida, do qual todos os demais serão decorrências ou transferências?
A criança precisa ser
ajudada a reconstituir a sua história.
Sabemos de muitas
histórias de adoções mal-sucedidas. Mas isso não constitui uma condição
inevitável; a adoção pode ser bem-sucedida se forem respeitadas as necessidades
básicas da mente humana.
E quais são estas
necessidades básicas?
A
acolhida é sem dúvida uma necessidade básica da mente humana. No entanto, os
pais adotivos não podem deixar de considerar que, antes da acolhida por eles
oferecida a este pequeno ser, ele primeiro foi rejeitado. Ele veio ao mundo
marcado ia "negativa": durante os nove meses de sua ex -uterina,
recebeu mensagens negativas de sua vou poder ficar com você", "vou me
livrar de você nascer". Estas mensagens feriram profundamente o narcisismo
básico do pequeno ser. Ele nasce, sentindo-se mal-amado e rejeitado. A mãe
biológica evita vincular-se ao dentro de si, numa manobra defensiva para se
proteger de sofrer. Sabemos que o bebê pré-natal capta os estados emocionais
de sua mãe em relação a ele. Quais então são as mensagens que ele capta? O que
é que ele registra?
Se o
vínculo afetivo constitui a seiva básica de nossa vida, os prejuízos que isso
trará ao pequeno ser desde antes de ele nascer.
Como
fazer o resgate de tamanho prejuízo?
Vou
considerar uma situação ideal de adoção: quando o é adotado muito pequenino.
Será para os aspectos de ruptura e descontinuidade que a atenção deverá ser
dirigida. O ideal seria que os pais adotivos possam estar presentes no nascimento
bebê, para lhe assegurar uma continuidade de ser, registrado para ele os
acontecimentos que mais tarde poderão lhe transmitir. O ideal é que, logo
depois de nascer, o bebê - após sentir o cheiro do corpo de sua mãe biológica -
possa ser colocado em contato com o corpo, pele-a-pele, de sua mãe adotiva,
sendo este procedimento acompanhado de uma verbalização. Se este pequeno ser
puder levar consigo uma peça de roupa com o cheiro de sua mãe biológica,
eventualmente uma fita gravada com a sua voz, explicando porque precisa
deixa-lo aos cuidados de uma outra mulher... seriam estas as condições que se
aproximariam das idéias.
Os pais adotivos - na
medida do possível - devem proceder com o bebê como procederiam os pais
biológicos: contato pele-a-pele, olho-no-olho. Desde o começo, palavras ditas
preenchendo os não-ditos. Resgatando para o bebê os aspectos amorosos de vida
existentes na primeira relação com a mãe biológica: "tua mãe não tinha
meios para te criar; preferiu te dar a oportunidade de ter melhores condições
de vida do que aquelas que ela teria podido te proporcionar. Respeitou tua
vida; te fez nascer para te oferecer a oportunidade de viver melhor do que você
viveria junto dela" .
Se porventura o bebê tiver que permanecer numa instituição aguardando a
adoção, deverá ser sempre individualizado: de preferência, sempre atendido
pelos mesmos profissionais, que devem chamá-lo pelo seu nome; devem conversar
com ele, informando-o do curso que o seu processo de adoção está tomando,
ressaltando sempre os aspectos vitais, positivos e de esperança. É importante
que o nome dado originalmente ao bebê, pela sua mãe biológica ou por outrem -
seja preservado, pois ele já faz parte da identidade daquele ser. Outra
recomendação importante: manter um registro diário para esta criança durante o
seu tempo de permanência na instituição, que ela levará consigo depois,
testemunho do ocorrido com ela; um álbum contendo fotos suas e das pessoas que
dela cuidaram durante a sua permanência na instituição, objetos que tiverem
sido de seu uso, ou de sua mãe, quaisquer informações referentes à sua família
de origem ou aos seus antecedentes, como forma de manter uma conexão com as
suas raízes. Esses objetos ajudarão a criança a montar a história de sua vida.
A mãe adotiva deverá contar ao bebê desde o início a história de seu nascimento
e de como ele veio fazer parte da nova família. É importante lembrar que o bebê
precisará primeiro elaborar a perda de sua família de origem ou daqueles que
dele cuidaram, para depois ter condições de estabelecer novos vínculos com os
pais adotivos.
Não devemos esquecer nunca que a primeira relação - a relação pré-natal
com a mãe biológica - é uma relação de paixão; ela estabelece os sulcos sobre
os quais todas as demais paixões na vida serão buscadas e irão se moldar.
O ser humano vai passar a vida buscando reencontrar esta paixão perdida.
HAPTONOMIA
Você deve estar
lembrado quando no Prefácio a esta edição eu dizia que a segunda parte deste
livro conteria as contribuições que vêm surgindo no panorama geral do estudo e
das práticas relacionadas com o psiquismo pré-natal, nos últimos dez anos. A
Haptonomia é uma delas. Surgiu na Europa há cerca de trinta anos, criada pelo
holandês Frans Veldman [23]. O nome estranho desta prática lhe foi dado pelo
seu iniciador, que foi buscar no grego as palavras hapsis - que
significa o toque, o ressentir, o sentimento. E nomos - que significa a
lei, a regra, a norma; hapto do verbo haptdn, quer dizer "eu
toco"', "eu reuno", "eu estabeleço relacionamentos". E
no sentido figurativo ela quer dizer o estabelecimento táctil de um contato
para ajudar a ficar saudável; curar. A haptonomia é - segundo Ve1dman - o
conjunto de leis que regem o campo do nosso coração, dos nossos sentimentos.
Ele a define como sendo a Ciência da Afetividade. Ela se baseia num princípio
básico: o do direito primordial do ser humano à afirmação de sua existência e à
confirmação afetiva de seu ser a partir do momento da sua concepção.
O destino coloco
Veldman no caminho da Haptonomia quando, durante a Segunda Guerra Mundial, em
meio a situações dramáticas relacionadas com deportação para campo de
concentração, ele descobriu a importância do gesto com que um ser humano pode
tocar um outro ser humano para lhe prestar solidariedade num momento de grande
sofrimento. Na década de 1970, Veldman foi estabelecer na França, onde Leboyer
já havia divulgado o seu trabalho e onde - através de Marie Claire Busnel -
passou a participar do GRENN (grupo de pesquisa e de Estudos em Neonatologia) e
mais tarde criou Oms o Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento da
Haptonomia (CIRDH).
A aplicação da Haptonomia ao acompanhamento pré, peri e do bebê,
objetiva o desenvolvimento da tríade pai-mãe, bebê visando ao estabelecimento
de segurança de base no ser; os pais são ensinados a entabular uma comunicação
com o seu bebê visando faze-lo se sentir acolhido por eles e amado.
Vou em breves linhas em que consiste este aprendizado, valendo-me do
depoimento de uma haptoterapeuta, “Os pais são ensinados a pousarem suas
mãos leve e ternamente sobre o ventre da mãe. Para promover o encontro
com o bebê, Veldman chama atenção para o fato de que além do
tonus muscular, o importante é que os sentimentos afetivos entrem em atividade.
Quando surge de repente em suas faces o esboço de um
sorriso ou é porque o encontro acabou de acontecer. Vê,se o
ventre ondular; bebê atendeu ao convite e veio ao encontro da mão
afetuosa e acolhedora. Seguindo um suave
embalo e com um .da um, a mão vai deslizando para a direita, depois
para a esquerda e o bebê a acompanha, como num jogo lúdico.
Num outro momento - em meio ao silêncio - a mãe capta
as vibrações afetivas do feto; ela o convida a se instalar próximo ao seu
coração. É diálogo entre corações!” Assistindo certa vez ao atendimento que Veldman fazia a uma gestante no sexto mês de gravidez,
nossa relatora observou que o ventre tinha uma configuração estranha: estava
baixo, caído. Veldman sugere então à mãe que - em pensamento - convide o seu
bebê a mudar de posição, orientando,a a colocar a mão sobre o ventre naquele
exato lugar para o qual deseja que seu bebê se dirija. Instantaneamente, o bebê
mudou de lugar. Veldman em segui, da lhe diz para que convide o bebê - sempre
apenas em pensa, mento - a subir até o seu coração. Mas a mamãe não foi capaz
de mentalizar isso adequadamente. Então Veldman lhe diz: "não o pense; apenas
sinta-o” 7.A Psicóloga Iracy Bertaccini (São Paulo).
A pesquisa
haptonômica tem mostrado que importantes trocas são estabelecidas muito
rapidamente entre eles [pais, bebê]. Depois de nascer, a criança n:vela que
espera e busca o prolongamento dos contatos haptonômicos que foram
experimentados e engramados durante o tempo em que viveu dentro do ventre de
sua mãe.
E NO BRASIL, O QUE DE NOVO SURGIU NESTA ÚLTIMA DÉCADA? REHuNA,
DOULAS, MÉTODO
CANGURU E A ABREP
FEZ DEZ ANOS
ReHuNa [Rede Nacional pela Humanização do NascimentoS é uma Organização não
Governamental coordenada em nível nacional por Daphne Rattner9, Marcos Leite
dos Santos10'e Paula Viana11. Surgiu [1993] da inquietação de alguns grupos e
entidades de profissionais alarmados com "a situação do nascer
em nossa sociedade"; o Brasil era o campeão de cesáreas do mundo! A
cesárea tinha passado a ser considerada a forma "normal" de dar à luz
e de nascer.
Do engajamento destes
profissionais a favor da mudança de atitude e mentalidade, resultaram
modificações significativas; alguns governos municipais e estaduais adotaram a
humanização como sua política oficial e o governo federal adotou uma política
explícita de redução das taxas de cesáreas. Muitos hospitais aderiram às
propostas de humanização. Por todo o país profissionais vêm adotando em suas
clínicas privadas práticas de humanização. Instituições de ensino vêm
incorporando essas noções em seus currículos: por exemplo, o Professor Hugo
Sabatino idealizou e implantou na Unicamp o pioneiro Grupo de Parto
Alternativo, tendo lançado um dos primeiros livros sobre humanização na assistência
ao nascimento. O Ministério da Saúde tem oferecido incentivos a estas novas
práticas de assistência, favorecendo a multiplicação de cursos de enfermagem
obstétrica. Além disso, o Instituto de Saúde
(SES/SP), a Rede Ibfan, a Rede Feminista de Saúde e Direitos
Reprodutivos, a OPAS, a UNICEF, o Projeto Qualis e outros ara divulgar e
implantar a nova mentalidade.
8. rehuna@yahoogrupos.com.br
9. Daphne
Rattner é médica sanitarista e coordena o Grupo de Estudos sobre Nascimento e
Parto (Instituto de Saúde-SES/SP) [daphne@isaude.sp.gov.br]
10. Marcos
Leite dos Santos é médico obstetra, residente em Florianópolis
[mleite@matrix.com.br]
11. Paula
Viana é enfermeira obstetra, reside e trabalha em Recife na capacitação das
parteiras tradicionais (curumim@ecologica.com.br)
Doulas - “Doulas” é uma palavra de origem grega que significa “mulher que
cuida de outra mulher". É uma acompanhante do parto; é uma mulher
experiente em parto que dá apoio a mulher durante o seu trabalho de parto:
trata-se de uma postura solidária de uma mulher em relação a uma outra
mulher numa situação que s6 uma mulher
pode empatizar. Hoje a doula faz parte da equipe que acompanha o parto; ela não
substitui nem o obstetra nem a parteira, ela apenas acompanha (24).
Em são
Paulo, na Maternidade Santa Marcelina, foi criado um curso de formação de
doulas sob orientação do Dr. Marcos Ymaho: desde a sua implantação, a taxa de
cesáreas nesta maternidade caiu para 15%.
Acabou de ser criada a ANDO - Associação Nacional de Doulas (Rio de
Janeiro, novembro 2001). Nos Estados Unidos e Canadá, a DONA (Doulas of North
América) conta com 3.500 doulas.
O
método mãe-canguru de atenção ao prematuro e ao recém-nascido de baixo peso:
nasceu de uma tentativa de reduzir as elevadas taxas de mortalidade perinatal
por infecção existentes numa maternidade de parcos; recursos de Bogotá, no
início da década de 1970, por iniciativa de dois neonatologistas colombianos,
o Dr.Héctor Martinez e o Dr. Edgar Rey Sanabria, que ao método recorreram
induzidos por pura intuição [25].
O método consiste basicamente e;m
retirar os bebês das incubadoras - desde que saudáveis - e mantê-las em contato
pele-a-pele, com a cabecinha pr6xima do coração da mãe, alimentados
exclusivamente ao seio. O Bebê é colocado nesta posição - "canguru" -
vertical, também para prevenir o refluxo e a conseqüente necessidade de
bronco/-aspiração; neste contato pele-a-pele, a transmissão de calor e o
estímulo sensorial procedentes do corpo da mãe favorecem a estabilização da
temperatura do corpo do bebê e de seus batimentos cardíacos. O contato
pele-a-pele com a mãe inicia-se no hospital e é mantido em casa, depois de uma
alta antecipada, até que o bebê tenha cerca de 40 semanas de idade gestacional;
este procedimento também favorece o estabelecimento e o desenvolvimento do
vínculo afetivo entre a mãe e o bebê.
No
Brasil, a experiência começou a S4ser utilizada no Recife em 1993. Aos poucos
foi sendo introduzida em outros centros, deixando gradativamente de ser uma
experiência limitada a apenas algumas maternidades para vir a se"e tomar
uma política nacional de saúde pública, hoje regulamentada pelo Ministério da
Saúde. A eficácia do método hoje é
reconhecida pela comunidade científica internacional, sendo ele
utilizado em muitos países como alternativa parcial ou total aos cuidados
convencionais com recém-nascidos de baixo peso e prematuros. Nos hospitais com
poucos recursos, contribui pai ara a diminuição da mortalidade neonatal
intra-hospitalar.
E,
finalmente, a ABREP fez dez anos. E neste tempo cumpriu com o objetivo que
havia se proposto por ocasião de sua fundação: o de ser pólo difusor dos novos
conhecimentos referentes ao psiquismo pré e perinatal. Promoveu vários eventos
significativos: “O surpreendente recém-nascido” com o casal Marshall e Phyllis
Klaus (1992); “Decifrando a linguagem dos bebês” com a psicanalista de
recém-nascidos, Myriam Szejer e Marie-Claire Busnel pesquisadora em
sensorialidade fetal (1994); “Primórdios da vida psíquica” com David
Chamberlain, então Presidente da norte americana APPPAH e Jorge César Martinez,
neonatologista de Buenos Aires (1997); “Palavras para Nascer” com Myriam Szejer
(1999); “Relações Mãe-Feto” com Marie Claire Busnel (1999) e “Humanização do
Nascimento” com Michel Odent (2000). A ABREP editou quatro livros contendo os
textos das conferências apresentadas em cada um destes eventos (26a,26b,26c,26d).
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25. CARVALHO, M. R., PROCHNIK, M.
(2001) Método mãe-canguru de atenção ao prematuro. Rio de
Janeiro. BNDES.
26a. 1992. Anais do Primeiro
Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal [Marshall e
Phyllis Klaus). São Paulo. ABREP-Editora Olho d'Água. 1993.
26b. 1994. Decifrando a Linguagem
dos Bebês. Busnel, M.C,Szejer,M. Anais do Segundo Encontro Brasileiro para o
Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP-CopLPrint. 1997.
26c. 1999. A Escuta Psicanalítica
de Bebês em Maternidade. Szejer, M. Quarto Encontro Brasileiro para o Estudo do
Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo. 1999.
26d. 1999. Relações Mãe-Feto -
Visão atual das Neurociências. Busnel, M, C. Anais do V Encontro Brasileiro
para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do
Psicólogo. 2002.
2000. Encontro com Michel Odent-S
Humanização do Nascimento. Odent, M. Anais do VI Encontros Brasileiro para o
Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo.
2002.
SOBRE A AUTORA
Psicóloga clínica e
psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo e docente de seu Instituto, ela nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1930.
Em meio ao conflito da Segunda Guerra Mundial aportou no Brasil em
companhia dos pais, que escolheram São Paulo para residir. .
Graduou-se assistente
social pela Escola de Serviço Social da PUC em 1952. Dez anos mais tarde, com
vistas à formação psicanalítica, retomou à mesma PUC para ali se formar em Psicologia
Clínica.
O seu interesse por psiquismo pré-natal é antigo: quando ainda em
formação psicanalítica, publicou em 1970 um pequeno ensaio no Jornal do
Instituto de Psicanálise sobre o filme Teorema de Pasolini, no
qual propunha uma matriz intrauterina, para o núcleo amoroso-passional.
No final da década de 1970, a partir de uma experiência pessoal com
Wilfred Bion, viu-se arremetida num caminho sem-retorno de investigação em psicanálise
na trilha da presença de inscrições traumáticas pré-natais na mente de
crianças, adolescentes e/ou adultos, trilha esta à qual se viu conduzida pela
sua experiência clinica no aqui-agora do espaço transferencial.
É autora de diversos trabalhos científicos de psicanálise, outros de
divulgação, bem como do livro A caminho do nascimento - uma ponte entre o
biológico e o psíquico, a ser proximamente reeditado pela Casa do Psicólogo.
Em 1991 fundou a ABREP - Associação Brasileira para o Estudo do
Psiquismo Pré e Perinatal, que preside.
É correspondente no Basil da APPPAH ( Association of Pre and Perinatal
Psychology and Health) e da ISPPM (International Society of Pre And Perinatal
Psychology and Medicine).
__autora do livro:
Joanna Wilheim.
Editor
Anna Elisa de Villernor Amaral Güntert
O
QUE É PSICOLOGIA PRÉ-NATAL
3ª edição
atualizada
Casa do Psicólogo
1992, 1ª edição
- by Joanna Wilheim
1997, 2ª edição - Casa do
Psicólogo Livraria e Editora Ltda.
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