segunda-feira, 1 de setembro de 2014

--O QUE É PSICOLOGIA PRE-NATAL? *LIVRO.*

Ois galerinha do bem! vamos ao momento de curiosidades aqui no blog. Eu estou lendo um livro super interessante, cujo nome está escrito no próprio título do post, e eu resolvi compartilhar alguns trechos com vocês.
Afinal de contas, para ser uma boa mãe não basta apenas amamentar o bebê, e cuidar de sua igiene. Também é importante aprendermos sobre seu comportamento, e tantas outras coisas, para que a criança tenha uma vida melhor e mais feliz.
Acompanhe o 1º trecho logo a seguir.

I --

A psicologia pré-natal é o estudo do comportamento e 10lvimento, tanto evolutivo como psico-afetivo-emocional do indivíduo, no período anterior ao seu nascimento.
O conhecimento da psicologia pré-natal é importante tanto para a psicologia evolutiva como para a psicanálise, cujo objeto primordial de estudo é o inconsciente. Com efeito, se considerarmos que todos os fatos ocorridos com o ser antes de ele nascer a) recebem registro mnêmico, b) que este registro fica guardado apenas no plano do inconsciente, c) que todas as vivencias pelas quais passa o ser no período pré-natal irão fazer parte de sua bagagem inconsciente, exercendo influencia tanto sobre a sua personalidade pós-natal como sobre a sua conduta e o seu comportamento, e d) que o estudo do inconsciente é o objeto por excelência da psicanálise, conclui-se que o estudo da psicologia pré-natal é de importância fundamental para ela.

Como surgiu a psicologia pré-natal?

Os últimos trinta anos trouxeram uma verdadeira explosão de novos conhecimentos referentes ao período Pré-natal Devemos isto, por um lado, ao aprimoramento de modernas tecnologias: a introdução do emprego do ultra-som nos exames pré-natais, o aprimoramento do microscópio eletrônico, as técnicas de fecundação in vitro e o desenvolvimento da fotografia intra-uterina, iluminaram para nós um mundo antes cheio de mistérios no qual não podíamos penetrar. Por outro lado, devese assinalar as importantes contribuições trazidas em anos recentes pelas descobertas feitas no campo da psiconeuroendocrino-imunologia, contribuições estas que lançaram uma nova luz sobre o entendimento da formação e do funcionamento do psiquismo humano.
Pesquisas sobre a vida pré-natal vêm sendo feitas hoje em várias partes do mundo, desde a Austrália e Nova Zelândia, passando pelas Américas - sobretudo a América do Norte até o continente europeu. Estas pesquisas vem sendo feitas nas áreas tanto da biologia como da psicologia do desenvolvimento e da psicanálise.
A embriologia forneceu-nos um mapa completo do organismo em desenvolvimento. Psicoterapeutas de correntes várias, trabalhando com crianças e adultos, têm-se deparado com freqüência cada vez maior com evidências que levam à constatação da existência de traumas pré e perinatais. A psicologia tem se debruçado sobre o fascinante campo da memória e, auxiliada por descobertas feitas em áreas afins, propõe hipóteses para explicar o modo pelo qual se dariam os registros mnêmicos das experiências vivenciais no início da existência biológica. Ela tem-se preocupado também em identificar como surgem as emoções que, sabe-se hoje, são provocadas pela interação fisiológica entre o organismo da mãe e o do feto.
Sabemos  hoje que os talentos, as capacidades e as habilidades apresentadas pelo recém-nascido começam a se desenvolver muito tempo antes de ele nascer.
Os investigadores que acompanham o desenvolvimento das do feto concordam em dizer que o bebê já antes um ser inteligente, sensível, apresentando traços de personalidade próprios e bem-definidos, e que tem uma vida afetiva e emocional estreitamente vinculada à sua experiência relacional com a sua mãe, estando em perfeita comunicação fisiológica com ela, captando os seus estados emocionais e a  sua disposição afetiva para com ele.
A apreensão de sua experiência vivencial intra-uterina se faz por meios que nem sempre podemos conhecer ou precisar. O importante, no entanto, é o fato de estarmos constatando a de registros de tais experiências.
A enxurrada de novas informações torna rapidamente obsoletas velhas teorias. Temos que rever hoje a maior parte daquilo que trinta anos atrás pensávamos saber a respeito do feto. Com efeito, considerava-se então que o feto vivia isolado num mundo impenetrável, num estado nirvânico de plena e felicidade, completamente indiferente ao ambiente fora do útero de sua mãe, protegido deste pelas espessas paredes abdominais do mesmo. O Útero, por sua vez, era considerado um lugar absolutamente silencioso, recluso e sem movimentos.
Essa visão mudou radicalmente a partir das pesquisas e da o do feto em seu ambiente natural. Estes estudos têm nos revelado,  por um lado, a sofisticação do aparelho perceptivo do feto, a crescente complexidade do seu aparelho a sua participação ativa na manutenção da gravidez e na determinação de seu desfecho final. Por outro lado, os co como sobre o estresse pré-natal propriamente dito, puseram um fim à falsa idéia que se fazia do Útero como um lugar tão ideal: hoje sabemos que drogas e substâncias neuro-hormonais da mãe que acompanham alterações de sem; estados emocionais atravessam a placenta e atingem o feto, podendo configurar condições ambientais mais próximas das de um inferno do que das de um paraíso.
Hoje sabemos que, muito antes de nascer, o feto pode perceber luz e sem, é capaz de engolir, ter paladar, escolher uma posição predileta, registrar sensações e mensagens sensoriais; que ele dorme, sonha, acorda, boceja, esfrega os olhos, espreguiça-se, faz C3retas, pisca, dá "passos", reconhece a voz de sua mãe, brinca com o seu cordão umbilical e com a sua placenta, chupa o dedo e o dedão do pé, reage com irritação quando se sente molestado e apresenta rudimentos de aprendizado. Sabemos também que o feto tem uma vida emocional: é um ser que sente, tem emoções, experimenta prazer e desprazer, dor, tristeza, angústia ou bem-estar; que é capaz de relacionar-se com sua mãe, captando seus estados emocionais e sua relação afetiva com ele. O Útero também deixou de ser considerado um lugar seguro, silencioso e totalmente recluso. Pesquisas revelaram que o conjunto de :30ns constituídos pelos ruídos intestinais da mãe, dos seus batimentos cardíacos e do fluxo de seu sangue nos grandes vasos que abastecem o Útero e a placenta alcança um volume próximo daquele produzido pelo tráfego urbano.--

II -- 


Este pequeno livro refere-se ao período pré-natal. E o pré-natal abrange tudo o que se passa da concepção ao nascimento. Mas eu, assim como Nilsson, vou recuar para o período anterior à concepção. E é para este período que solicito sua especial atenção, uma vez que é minha convicção de que tudo que ocorre com o ser, desde os primórdios de sua existência biológica - portanto, desde que foi óvulo por um lado e espermatozóide por outro lado -, tem registro, e que este registro, feito por meio de memória celular, está guardado nos nossos arquivos de memória, uma espécie de banco de dados inconsciente.
Muito bem: vamos então inicialmente nos deter no "nascimento" e trajetória do espermatozóide na direção ao lugar de seu encontro com o óvulo.
Considerarei como seu "nascimento" o momento em que, depois de ter permanecido armazenado no saco escrotal de seu pai por um período de aproximadamente dois meses, é ejaculado dentro da vagina daquela que virá a ser sua mãe, em companhia de mais algumas centenas de milhões a ele iguais.
O meio ambiente com que se deparam estes pequenos viajantes pode ser bastante hostil a eles, pois o meio vaginal pode apresentar, ocasionalmente, condições desfavoráveis: um teor de acidez acima do que a natureza do espermatozóide pode suportar, agindo sobre suas caudas e paralisando-as. De seu lado, no entanto, os espermatozóides secretam uma enzima que tem o poder de neutralizar esta condição desfavorável, permitindo ­lhes avançar. Alguns sucumbem, porque são mais fracos; outros perdem-se no meio do caminho. Os melhores nadam, agitando suas caudas, que são o seu meio de locomoção. Atravessam o útero, depois de terem penetrado pela cérvix; alguns desorientam-se; outros, no entanto, são "chamados" pelo óvulo. Explico: sabe-se hoje que o óvulo "escolhe" os espermatozóides dentre os quais irá selecionar aquele pelo qual irá se deixar penetrar para tanto, as células que envolvem o óvulo secretam uma substância química que atrai a uns mas não a outros.
Finalmente, o pequeno punhado de sobreviventes que restou daquela multidão inicial aproxima-se das cercanias do óvulo, depois de ter nadado contra a corrente e de ter enfrentado Outro inimigo mortal: as células assassinas do sistema irnunológico da mãe, cuja missão é detectar todo e qualquer corpo estranho e atacá-lo para matar.
Espertos, os diminutos espermatozóides "vestem" uma capa protetora para esconder os seus antígenos, com o que conseguem burlar a vigilância da sentinela postada para não deixá­-los passar. Após atravessar as linhas inimigas, um pequeno grupo de sobreviventes chega às portas do óvulo, que para eles se configura imenso: o óvulo é 85 mil vezes maior do que o espermatozóide! Cercam-no, nadando em volta.
Um punhado começa a operação "penetração": trabalham em equipe, secretando a enzima cujo efeito é dissolver a membrana protetora que envolve o óvulo e permitir a passagem de um. Finalmente um consegue! Pula para dentro, literalmente mergulhando de cabeça. Neste momento, uma contra-ordem elétrica se produz na membrana do óvulo, que se fecha, impedindo qualquer outro de entrar.
A cabeça do espermatozóide mergulha dentro do óvulo. Mas a cauda, aquele seu precioso instrumento de locomoção que lhe dava liberdade, fica de fora, é amputada no momento da penetração.
 E agora que a cabeça do espermatozóide está dentro do óvulo, o que acontece com ela? Pois bem, ela estufa, aumenta quatro vezes de tamanho em relação à dimensão original e abre­ se, dando passagem ao núcleo contido dentro dela, núcleo este que traz toda a bagagem genética do pai.
Uma vez liberado, ele se encaminha em direção ao núcleo que o óvulo liberou. É um indo em direção ao outro, em movi­mento de mútua atração, até que se encontram abrindo-se um para o outro num grande amálgama fusional.
Antes de prosseguir, volto-me para a odisséia do óvulo, que também navegou - embora bem menos do que o espermatozóide e em águas bem menos perigosas e turbulentas.
        Ele é um só, enquanto o espermatozóide era um entre centenas de milhões. É grande, forte, com uma reserva protéica muito maior do que a do espermatozóide.          
      E, sobretudo, ele está dentro de sua própria "casa". Ou melhor, dentro da casa de sua própria mãe. O ambiente que o cerca é um ambiente familiar. O óvulo não é, nem se sente, atacado. Sua composição genética é a mesma das demais células daquele corpo de mãe. Não há antígenos seus mobilizando ataque de anticorpos. Não há nenhuma guerra a declarar. Não há sentinelas inimigas a burlar. Nem soldado inimigo postado para atacá-lo e exterminá-lo.
É verdade que sofre uma queda, uma experiência deveras desagradável: ao ser expelido pelo ovário, cai na cavidade abdominal, sem direção; lá os extensores da trompa o apanham para conduzi-lo ao duto no qual irá se encontrar com o seu par.
Não possui mobilidade própria; é carregado pelos cílios da trompa, que o vão levando devagarzinho em direção àquele lugar onde deverá se "casar" com o seu par.
Voltemos ao encontro e casamento. Um dentro do outro. O pequenino contido pelo grande, o grande contendo o pequenino. Podemos considerar que neste momento dá-se o primeiro nascimento do novo ser. Tão logo fundem-se os núcleos e é produzido o amálgama cromossômico, o óvulo deixa de ser o que era antes, o espermatozóide deixa de existir na sua identidade original, e nasce o novo ser, ao qual vou chamar de concepto.
E o que acontece com o concepto tão logo ele passa a existir? Ocorrem duas coisas ao mesmo tempo, uma positiva e outra negativa.
A positiva é que dentro dele se dá uma explosão de vida: há uma fantástica expansão em relação ao estado anterior de compressão dos gens existentes antes da liberação, expansão esta que, ao se dar, libera muita energia.
A negativa é que, tão logo ele passa a existir, é identificado como corpo estranho pelo sistema imunológico da mãe. Explico: a bagagem genética do óvulo que era da mãe foi acrescida da bagagem genética do espermatozóide que era do pai. A nova composição genética contém a mistura dos dois, constituindo, portanto, uma bagagem genética diferente da ovular original, que chama contra si os anticorpos defensores do organismo materno.
Por que assinalo isso com tanta ênfase? Porque, como você leve se lembrar, já mencionei que tudo o que se passa com o novo ser, desde a emissão de cada uma das duas células básicas componentes, tem um registro que fica guardado em nossos 1rquivos de memória.
Por conseguinte, o movimento de ataque ao novo ser por parte do organismo materno recebe um importante registro: o primeiro registro do sentimento de rejeição. Constitui-se neste momento a primeira matriz deste sentimento, que é um sentimento dramático, possante, tão conhecido da grande maioria dos seres humanos que a ele costumam reagir com muito sofrimento.
Este ataque por parte do sistema imunológico da mãe ao concepto, além de resultar no imprint da matriz do sentimento de rejeição, também irá cunhar o imprint da matriz de um outro sentimento - ou afeto - muito básico e fundamental: o da angústia, angústia de aniquilamento, de vida colocada em uma situação de risco extremo, vida ameaçada de ser destruída.
Retomando a descrição: o óvulo acaba de ser fecundado, há fusão dos núcleos, um novo amálgama celular. Vinte horas depois da fusão, dar-se-á a primeira divisão celular, a partir do que a cada doze ou quinze horas, dar-se-á nova divisão. As divisões continuam: serão quatro, depois oito, dezesseis, trinta e duas células e assim por diante. Este estágio é conhecido pelo nome de mórula, porque sua aparência lembra a de uma amora. A mórula continua sua descida pela trompa, levada pelos cílios. Este tempo de percurso dentro da trompa é muito crítico: o concepto está exposto aos ataques fisiológicos provenientes do organismo materno, que ameaçam a sua sobrevivência. As estatísticas informam que cerca de 75% dos óvulos fecundados são destruídos na trompa antes de alcançarem o útero. Portanto, aqueles que o alcançam - e isso se referem a todos nós que estamos no mundo - podem ser considerados sobreviventes.
Nos dez dias que se seguem à concepção, este pequeno aglomerado de células em constante multiplicação faz a sua descida até o útero. O blastócito, composto agora de cerca de cem células, atravessa uma abertura estreita existente na passagem entre a trompa e o útero e, num formidável salto, despenca como uma bola no vazio.
Abro parênteses para o seguinte comentário: não será o registro mnêrnico desta experiência celular o responsável pelo prazer que certas pessoas têm em darem saltos no vazio, como os pára-quedista por exemplo? Ou pelo temor de alturas que outros manifestam? Ou ainda, como no caso do cineasta Spielberg, pelo gosto em reproduzir situações dramáticas, em que este perigo é encenado mediante pontes que se rompem por cima de precipícios, deixando os personagens pendendo em situações de extremo perigo entre a vida e a morte, sem saber qual será o desfecho final?
Fecho parênteses. O blastócito, após ter aterrisado no útero, vai procurar um lugar para se nidar. Movimenta-se sobre a mucosa, procurando um lugar seguro - o "seu" lugar - para se implantar. Mas antes precisa romper a bainha contensora, uma espécie de invólucro protetor que o envolve. Quebra-a, livra-se dela: a massa celular está agora liberada para se ligar à membrana acolhedora do útero. Há novamente registro de um movimento de grande expansão-é a massa celular saindo do estado de compressão. Neste momento, inicia-se a nidação: da massa celular saem raízes que vão se fixar na parede uterina.
         Este momento marca novo e importante registro de contenção adotiva: agora é o útero adotando o concepto.
            Contam-nos os imuno-embriologistas que neste instante se produz uma espécie de pacto de não-agressão no nível celular: o blastócito produz um muco cujas propriedades químicas visam neutralizar o efeito provocado pelos antígenos sobre a mucosa do útero, que de outra forma responde com irritação agressiva, visando a sua destruição e conseqüente eliminação. Com freqüência, porém, tal pacto não se realiza. Instala-se então uma guerra: o concepto, movido pelo seu instinto de vida, trava verdadeira batalha para sobreviver, enquanto, do outro lado, o organismo materno - movido por sua vez pelo seu instinto de vida - defende-se do "invasor-agressor". Também desta experiência, de nidação ou implante, ficarão registros significativos na nossa matriz básica, seja do sentimento de adoção, de aceitação e acolhida, seja do sentimento de rechaço ou rejeição.
No blastócito, começa a diferenciação celular: uma parte se destina à formação do embrião e outra parte se destina à formação da placenta, que é um órgão do embrião formado a partir de células suas.
        Com quatro semanas o embrião mede seis milímetros, tem um corpo com uma cabeça, um tronco e uma cauda. Apresenta rudimentos de cérebro, espinha, tubo digestivo. O sistema nervoso começa a se formar no 18º dia, quando também se formam rudimentos dos olhos. A boca abre-se pela primeira vez em torno do 28º dia e o coraçãozinho rudimentar começa a bater, bombeando sangue para o fígado e a aorta.
Com cinco semanas, mede um centímetro. Começam a despontar pernas e braços. Surgem pela primeira vez movimentos bruscos, espontâneos.
Com seis semanas, o embrião mede um centímetro e meio. O seu coraçãozinho apresenta de 140 a 150 batimentos por minuto, duas vezes mais que o de sua mãe. Suas mãozinhas estão desenvolvendo dedos.
A partir deste momento, o embrião responde ao toque com movimentos amplos e generalizados. Começam a aparecer os primeiros reflexos: se sua mãozinha ou pezinho tocar a parede do útero, os dedos ou artelhos se contrairão.
Se for feito um eletroencefalograma, seu traçado será semelhante ao do adulto.
Com sete ou oito semanas, o embrião é capaz de realizar movimentos muito simples de flexão de um braço ou de uma perna, pulso, cotovelo ou joelho. Um ligeiro toque em sua face fá-lo-á desviar a cabeça.
O movimento é vital para o bom desenvolvimento dos os­ sos, das juntas e das experiências sensoriais do feto - ou embrião --, incluindo aquelas que derivam do movimento, e que são essenciais para o desenvolvimento de seu cérebro.
O sangue do embrião absorve proteínas, gorduras e açúcar da placenta para o constante processo de construção de suas células, e oxigênio para alimentar o processo.
Com oito semanas, ele mede quatro centímetros; neste ponto do desenvolvimento, os biólogos e embriologistas passam a se referir ao ser-em-desenvolvimento como feto.

De feto a bebê

O feto vive dentro de um saco amniótico contendo um líquido que o acolchoa e protege. Este líquido tem um teor de salinidade semelhante ao do mar primitivo. Nesse meio ambiente flutuante e sem peso, os membros e o corpo têm amplo espaço para se movimentar, mantendo suas articulações flexíveis.
 Dentro cio seu corpinho, todos os órgãos já estão no devi­ do lugar: tudo o que se encontra em um ser humano a termo já está formado.
Ele agora é capaz de movimentar a cabeça, os braços e o tronco com facilidade. Se a palma de sua mão for tocada, ele reage, fechando-a. Responde às mudanças de posição de Sua mãe. Se Os seus lábios ou o seu nariz forem roçados, responde com um movimento de curvatura do pescoço para se afastar do estímulo. Se um fio de cabelo esbarrar em sua face, afasta a cabeça e estica os bracinhos para afastar o cabelo. Fetos de oito semanas foram vistos fazendo um movimento para afastar ou apanhar com a mão a agulha introduzida por ocasião do exame de amniocentese.
Sua placenta produz os hormônios necessários para manutenção da gravidez.
      Entre a 10º e a 12º semana após a concepção, o feto come­ um vigoroso programa de exercitação física, rolando de um lado para o outro estendendo e flexionando as costas e o pesco­ " agitando os bracinhos, dando chutes e flexionando os pés. Esta movimentação se mantém, sem muita alteração, por todo tempo da gestação. É uma movimentação graciosa e espontânea, uma coordenação que revela um tipo de inteligência direcional.
 Com doze semanas, mede sete centímetros e meio, pesa quatorze gramas. É capaz agora de movimentar todas as articulações de um braço ou de uma perna. Além de chutar e virar os és, dobra os dedos, franze a fronte, aperta o:, lábios, abre a oca, coça a cabeça, faz caretas, esfrega os olhos e engole o liquido amniótico.
Os seus pulmõezinhos primitivos e vazios expandem-se e contraem-se como se estivessem ensaiando para quando precisar deles no momento do nascimento.
Se seus lábios forem tocados, ele responde com um movimento de sucção. Se suas pálpebras forem tocadas, responde contraindo-as em vez de jogar o corpinho todo para trás, como fazia antes.
       Começa a chupar o dedo.
            Fetos da mesma idade começam a revelar variações individuais­: suas feições começam a se diferenciar; também começam a ficar evidentes diferenças nas expressões faciais.
Com quatorze semanas, engole, chupa e respira. É capaz de movimentar os braços juntamente com as pernas e, às vezes, pode-se ver o feto com as mãozinhas levantadas. Começa a apresentar expressões faciais de agrado ou desagrado.
         Com quinze semanas o feto apresenta todos os movimentos presentes em fetos a termo.
Com dezesseis semanas, além de levantar as sobrancelhas, fazer caretas, coçar a cabeça e esfregar os olhos, começa a desenvolver o sentido do paladar. Nesta idade, as papilas gustativas já estão desenvolvidas, e surgem as preferências de gosto: o feto faz caretas e pára de engolir quando uma gota de substância amarga é colocada no líquido amniótico, enquanto uma gota de substância doce provoca a aceleração da ingestão do líquido. Reage da mesma maneira à nicotina e ao álcool ingeridos pela mãe, com o que evidencia o desagrado que lhe causam.
           Na 19º semana, os seus movimentos começam a ficar mais coordenados, contrastando com os movimentos iniciais, que eram reflexos mais primitivos. Começa a dar "passos"; é capaz de ficar ereto e impulsionar o corpinho para a frente, sustentando-se sobre uma das mãos.
Na 26ºsemana da gestação, o feto abre os olhos pela primeira vez e, a partir deste momento, comportar-se-á como um recém-nascido; fecha os olhos quando dorme e abre-os quando está acordado.
         Com 28 semanas todos os fetos sadios piscam os olhos.
         Até o sétimo mês o feto pode movimentar-se livremente, até mesmo virar cambalhotas.
Mas a partir do oitavo mês, o ambiente torna-se mais apertado e quase todo o espaço disponível está por ele ocupado. Começará então a fazer os movimentos preparatórios necessários para o seu nascimento. Ao sentir-se pronto e maduro, organiza­-se para prosseguir o seu desenvolvimento fora do corpo de sua mãe e separado dela.

III -- 

  A existência de condicionamento pré-natal para música foi constatada em recém-nascidos cujas mães cantarolavam determinada cantiga popular durante todo o período gestacio­o submetidos a testes após o nascimento, estes bebes evidenciaram preferência pela melodia conhecida, enquanto e bebês de controle não evidenciou tal preferência. Outra pesquisa, realizada com um grupo de bebês expostos re­gularmente durante o período gestacional a determinado tema musical tocado pela televisão, revelou que estes bebês paravam entravam no "estado de alerta tranqüilo" ao ouvi­musical conhecido, o mesmo não acontecendo com os bebês do grupo de controle.
      Gestantes observam que seus fetos reagem com pulos a toques de buzina, fogos de artifício, toque de tambor ou aplausos em concertos, e com hiperatividade a filmes violentos.
    Pesquisas realizadas com uso de tecnologia avançada na Escandinávia revelaram que os fetos recebiam e armazenavam padrões de fala que lhes eram transmitidos pelas suas mães. Fotografias e filmes mostraram que os fetos exercitavam dentro amniótico movimentos neuromusculares que leva­. contato com o ar - ao choro e à vocalização. Estu­dando gravações de choro de prematuros extremos de novecentos gramas, verificou-se, em alguns casos, uma correspondência específica do choro com as entonações, ritmos e outros fala de suas mães. Estes espectogramas coinciden­tes de mãe e feto por volta dos cinco meses são evidencia não apenas da presença da audição como também da linguagem no útero. A equipe de pesquisadores encontrou outra evidência ia de linguagem no feto: recém-nascidos, de mães mudas, que não choram ao nascer, ou que, tendo chorado, apre­m choro estranho como se lhes tivessem faltado aulas no útero.
      Segundo estudiosos do assunto, o feto ouve a voz de sua mãe já no quarto mês de gestação, e a qualidade desta comunicação pode influenciar, no futuro, seu desejo de comunicar-se: caso a voz da mãe seja cronicamente áspera e zangada, poderá ficar associada a uma experiência desagradável e afetar a sua futura disposição para a escuta e a comunicação.
O acima mencionado Anthony DeCasper descobriu que os recém-nascidos discriminam e preferem a voz de sua mãe a outras vozes, conhecimento que devem adquirir durante sua experiência intra-uterina. São capa;:es de variar a freqüência de sua sucção para obter o som da voz de sua mãe, em vez do som de outra voz feminina.
O aprendizado por imitação envolve processamento vi­sual. Constatou-se capacidade imitativa em prematuros de 35 semanas: são capazes de discriminar e imitar expressões faciais do adulto, expressando alegria, felicidade, tristeza ou surpresa.
A observação por ultra-som revelou gestos cheios de in­tenção e sentido desde muito cedo. Observou-se que o feto desloca-se no útero para fugir de um bombardeamento ultra­-sonográfico de um feixe de luz.
              Os fetos expressam estados emocionais de agrado e desa­grado por me: o de seu comportamento, movimentando-se. Os pontapés e a hiperatividade são reações pelas quais comuni­cam desagrado pelo som de uma música mais violenta, ao bater de tambores, a filmes de guerra ou de violência, a desastres naturais ou situações traumáticas vividas pela mãe que nela produzam uma perturbação emocional.
E o chore expressa dor, angústia ou sofrimento.
Reações de susto são evidenciadas por alterações somáticas no feto: const3tou-se aumento excessivo e descontrolado de seus batimentos cardíacos, de sua movimentação e atividade intra-uterina após o orgasmo masculino ou feminino.
Quanto à. experiência onírica do feto, sabe-se hoje que começa a sonhar a partir da 23ª semana gestacional. Sonhar é importante, é um meio de elaborar experiências internas. Supõe-se que os fetos sonhem com qualquer experiência que tenham tido até então.
Durante o sono com sonhos, observam-se alterações nas expressões faciais, que revelam perplexidade, desprezo, ceticismo ou divertimento por meio de caretas, choramingos, soluços, sorrisos, estremecimentos do rosto e das extremidades, alteração no ritmo dos batimentos cardíacos e respiratórios, mudanças bruscas de posição de membros e corpo.
Sorrisos no feto: os primeiros sorrisos ocorrem durante o sono com sonhos. Expressam um estado emocional prazeroso. Antigamente, costumava-se negar o significado dos primeiros sorrisos observados em recém-nascidos; dizia-se que eram gases ou espamos musculares. No entanto, os sorrisos são expressões preciosas de sentimentos; representam comunicações significativas e positivas a serem consideradas e valorizadas. Alguns Recém-nascidos chegam a dar risadas enquanto estão dormindo. Tanto os sorrisos quanto as risadas representam experiências cognitivas: são pensamentos acompanhados de uma emoção de alegria. 

IV --


Soa estranha a você a afirmação de que o feto tem uma personalidade?
Vamos por partes. Se você tem filhos ou irmãos, você acha que eles são iguais? Desde criança, desde que eram pequenini­nhos, você teve oportunidade de observá-los: cada um deles tinha um modo próprio de ser, um jeito seu, bem diferente dos outros filhos ou irmãos, não é mesmo?
No entanto, todos eles são filhos dos mesmos pais, criados dentro da mesma casa, no mesmo ambiente familiar sujeitos à mesma educação, aos mesmos modelos de pai e mãe. Quantas vezes você teve oportunidade de observar e de fazer o comen­tário: "Como é possível que irmãos possam ser tão diferentes?" ou: "Nem parecem irmãos".
Pois bem, já tivemos oportunidade de mencionar que to­das aquelas capacidades e habilidades apresentadas pelo re­cém-nascido não surgiram de repente. No capítulo anterior, as­sinalamos em que momento evolutivo do pequeno ser elas foram surgindo.
Somos a primeira geração - note bem, este é um privilégio considerável-a ter acesso a todo o imenso cabedal de informações obtidas por meio do ultra-som. Podemos observar e o feto, o embrião, o concepto e, ainda antes deste, as duas células reprodutoras que a ele deram origem, quer por meio do ultra-som, da filmagem direta de imagens dentro do corpo.
        Antes porém de lhe falar a respeito do que a moderna tecnologia tem-nos permitido saber  a respeito da personalidade do feto, vou-me deter na consideração de o que vem a ser temperamento, caráter e personalidade.
       O temperamento é o conjunto de disposições biológicas e psicológicas do indivíduo que determina o seu caráter. O cará­1 vez, é o modo próprio de que é dotado determinado para reagir. E a personalidade é o conjunto dos mo­os de ser, de se comportar, de reagir e de sentir que do indivíduo tem e que o diferenciam de outros in­divíduos.


         Acabamos de ver que a personalidade seria então o con­junto de modos próprios de ser, reagir, sentir, comportar-se en­fim. Decorre então que entram como fatores componentes e determinantes da personalidade, o que o indivíduo adquire por registro das suas próprias experiências vivenciais, as­) a herança genética que ele recebe de seus pais - lembra-se da carga genética que o espermatozóide traz no núcleo contido  em sua. cabeça e que entrega ao óvulo quando se encontra, dando-se então a mistura das bagagens :Ia mãe naquilo a que me referi como amálgama?
  De importância fundamental para o conhecimento do surgimento das características individuais de personalidades no ser humano é uma pesquisa que está sendo desenvolvida em anos recentes por uma psicanalista italiana residente em Milão, de nome Alessandra Piontelli. É até mesmo minha opinião a de que a pesquisa desenvolvida pela doutora Piontelli nestes últimos quinze anos irá revolucionar o enfoque e o entendimento psicanalítico da mente humana.
Vou lhe contar em que consiste o trabalho de pesquisa a que a doutora Piontelli vem se dedicando. Tendo feito o seu treinamento psicanalítico na Inglaterra, dedicou-se durante largos anos à técnica de observação de bebês desenvolvida pela psicanalista kleiniana inglesa Ester Bick, na década de 1960.
De volta à Itália, ocorreu à doutora Piontelli estender a técnica de observação de bebês ao período pré-natal. O desejo de aprofundar seus conhecimentos sobre este período teve re­lação com a sua experiência enquanto analista: trabalhando com crianças pequenas, algumas muito perturbadas, e também\ com pacientes adultos com comprometimentos emocionais gra­ves, começou a esbarrar com freqüência em material obvia­mente pertencente ao período intra-uterino. Como também continuasse o seu trabalho de observação de bebês, sua atenção foi despertada para as evidentes diferenças caracteriológicas individuais nos recém-nascidos a cujos partos assistia.
Começou a se colocar perguntas quanto à origem do cará­ter definido, já tão evidentemente manifesto no momento do nascimento: alguns bebês nascem com uma disposição eviden­te para a vida, enquanto outros surpreendem pela apatia.   Também a intrigava a questão referente às diferenças individuais entre os bebês: por que certas crianças não conseguem esque­cer o seu passado pré-natal? Por que outras a ele retomam sem­pre que as circunstâncias externas se lhes configuram adversas? Trata-se de um fator genético ou ambiental formativo ou constitucional? Para realizar a pesquisa, adotou o seguinte procedimento: escolhidas as mães cujas gestações iria acompanhar, estabeleceu com elas que compareceriam regularmente, uma vez por mês, ao hospital em que trabalhava, e pelo período de uma hora submeter-se-iam a uma observação por meio de ultra­som. Combinou também com as mães que assistiria ao nasci­mento e acompanharia os bebês com observações semanais durante todo o primeiro ano de vida.
            Vamos agora ao observado por ela nesta experiência com fetos de  aproximadamente a 14ª  semana de gestação.
            Em primeiro lugar surpreendeu-se com a riqueza, variedade e comp­lexidade de movimentos que pôde observar nos fetos nos estágios  mais iniciais da gravidez: ela os via chupando, sendo, se coçando, esfregando os pezinhos e as mãozinha . Supreendeu-a também a liberdade de movimentos que desfrutava dentro do líquido amniótico.
             Sua atenção foi chamada para as diferenças individuais de cada feto: cada um adotava posturas próprias diferentes das dos demais e relacionava-se de maneira muito peculiar com o intra-uterino e com os seus objetos de relação, a placenta ­ cordão umbilical. Cada feto apresentava um de sem­m comportamento muito próprio e marcante, provocando naqueles que assistiam ao exame exclamações do tipo: “Que bebê calmo!", "Este vai ser um nervosinho", "Como este é pensativo", "Esta vai ser uma bailarina", "Olha este usando a placenta de travesseiro!", "Como trata mal o seu cordão umbi­lical!”
           Nas observações realizadas nos meses subseqüentes ao nasci­doutora Piontelli constatou que as crianças continuavam a apresentar as mesmas características por ela observadas durante o período pré-natal e por ocasião de seu nascimento.
Estendeu também a sua pesquisa a pares de gêmeos. Suas s, após ter acompanhado algumas gestações gemelares - gêmeos não univitelinos -, são valiosíssimos subsídios para este novo  ramo da ciência constituído pela psicologia pré-natal. Destacarei alguns aspectos de suas conclusões finais:­


·     em cada par de gêmeos havia uma notável diferença no temperamento de cada um. Por exemplo, enquan­to um se revelava dotado de evidente vitalidade, pro­curando contato físico com o seu par, o outro apresen­tava-se retraído, pouco ativo, pouco afetivo, fugindo e evitando o contato, recorrendo a gestos agressivos e por vezes violentos, para repelir os avanços do irmão.
·     os padrões de conduta observados tanto nos fetos das gestações singulares como naqueles de gestações ge­mel ares mantiveram-se com as mesmas característi­cas no período pós-natal, tendo sido também observa­dos no decorrer de todo o primeiro ano de vida.
·     nos pares de gêmeos, observou-se também um padrão de conduta inter-relacional, que apareceu desde muito cedo no período gestacional, mantendo..se com as mesmas ca­racterístic1s durante todo o tempo da experiência intra­uterina, continuando no período pós-natal.
              Conclui-se, portanto que:
a) os padrões de conduta e de temperamento aparecem desde muito cedo no período gestacional, tanto em fetos de concepções singulares como naqueles de con­cepções gemelares não univitelinas;
b) as características individuai3 que puderam ser obser­vada:, desde muito cedo mantiveram-se e continuara pré-natal;
c) as diferenças de personalidade, evidentes e marcantes já em fetos de quatro meses, serão características indi­viduais das suas respectivas personalidades pós-natais;
d) as características individuais estão presentes desde o tempo mais inicial; as peculiaridades básicas aparece­ram desde as primeiras observações, mantendo-se por todo o tempo da vida intra-uterina e manifestando-se com as mesmas peculiaridades na vida pós-natal.


     Concluindo este capítulo podemos afirmar que os fetos diferem em suas identidades individuais assim como diferem as pessoas das outras. Portanto, o feto tem, sim, uma perso­nalidade marcante e bem-definida que se manifesta desde o começo de sua existência intra-uterina, e será aquela mesma ticas os pais irão conhecer logo depois que este TI como no decorrer do seu primeiro ano de vida.
     É no período pré-natal que o indivíduo revela o seu caráter individual que mais tarde continuará a desenvolver com as mesmas características observadas desde o início.
       Para finalizar este capitulo chamo a sua atenção, caro leitor, para a citação de Freud que figura no início deste livro, e cuja procedência pode agora ser aferida por estudos como este realizado pela doutora Piontelli, confirmando, setenta e tantos anos depois, a sua extraordinária intuição e genialidade: “Há muito mais continuidade entre a vida intra-uterina e a primeira infância do que a impressionante caesura do ato do nascimento nos permite saber.”

  
 5º --


   Direi agora algo a respeito das memórias pré-natais propriamente como e quando começou-se a observar a sua existência.
        Já mencionei que memórias pré-natais e referentes ao nas­cimento começaram a aparecer espontaneamente durante sessões de pacientes hipnotizados para outros fins e que os terapeutas não sabiam como interpretar, uma vez que ainda não existiam os conhecimentos que permitissem lhes dar validade.
        Freud, já em 1900, em A interpretação dos sonhos, referia-se de fantasias relacionadas com a vida intra-uterina cimento. Ilustra com alguns sonhos de pacientes, que faz acompanhar do comentário: "Sonhos como este são sonhos nascimento". E diz: "O ato do nascimento é a primeira experiência de angústia do indivíduo, vindo a se constituir na fonte e no protótipo do afeto de angústia". E, em 1909 acres­centa: “Aprendi a levar em conta as fantasias relacionadas com a vida intra-uterina. Elas explicam o terror manifestado por cer­e serem enterradas vivas e justificam a crença na uma vida após a morte que nada outro é senão a projeção no futuro da misteriosa experiência do período anteri­or ao nascimento". Menciona também sonhos em que o sonhador se via flutuando, ou igual a uma bola ou uma pequena esfe­ra, sem que ele, Freud, possuísse ainda elementos que lhe permitissem atribuir os significados que somos hoje capazes de lhes dar, em função do que agora sabemos: trata-se de imagens rela­cionadas com vivências extremamente precoces, pertencentes ao período celular.
        Será na Inglaterra e América do Norte que, no decorrer da década de 1970, fora do âmbito da psicanálise propriamente dita, dar-se-á um verdadeiro boom na exploração dos níveis mais profundos da mente por meio de terapias regressivas.
           Nos Estados Unidos e Canadá atualmente há grande número de terapeutas que, mediante o emprego de técnicas regressivas variadas, trabalham com resgate de memórias tanto pré-natais como de nascimento, traumáticas e não-traumáticas, assim como daquelas relacionadas com a experiência da concepção e elos momentos que se seguem a ela - a experiên­cia na trompa, a nidação - e todas; as experiências celulares anteriores à concepção - do óvulo e do espermatozóide. Estas situações têm sido trabalhadas visando à investigação e tam­bém a um efeito terapêutico - segundo crêem estes terapeutas - mediante a promoção de catarses dos pontos de trauma.
O norte.-americano David Chamberlain trabalha explorando, sobretudo as memórias do nascimento, mediante empre­go da técnica ele hipnose. Em um livro publicado em 1988 rela­ta suas experiências clínicas, fornecendo evidência da veraci­dade das informações referentes a detalhes de nascimentos obtidas em sessões de hipnose com pacientes, e confirmadas \ por suas mães, igualmente submetidas à hipnose.
Grof, pioneiro no emprego do LSD para efeito de regressões profundas desde a década de 1960, acumulou e publicou vastíssimo material recolhido em sessões de regressões com pa­cientes sobre registros inconscientes existentes na mente, dos traumas experimentados durante o processo do nascimento. Relata em seus livros as formas em que se encontram represen­tadas na mente as várias etapas - sentidas e registradas como traumáticas e ameaçadoras - do nascimento.
Josephine Van Husen, empregando outras técnicas regres­sivas, recolheu vasto material sobre registros mentais traumáticos de pacientes que sobreviveram a tentativas de aborto e de sobreviventes de abortos praticados em que um gêmeo teria sido abortado.
Tanto o material recolhido por ela como aquele recolhido por Grof evidenciam as profundas marcas  deixadas na mente por estas experiências traumáticas pré-natais, cujas repercussões psicológicas se manifestam na vida pós-natal.
O californiano William Emerson e o australiano Graham Farrat, promovendo regressões mediante o emprego de técnicas respiratórias, buscam criar situações que permitam a descarga catártica da experiência traumática original, relacionada com o nascimento e com todo o período pré-natal, considerando os imprints, mais iniciais, desde a emissão do espermatozóide, do óvulo, o encontro dos dois, a concepção, a multiplicação celular, a descida pela trompa, a queda no útero, o implante e demais registros traumáticos ocorridos durante a experiência intra-uterina.
Emerson desenvolveu uma técnica pioneira por meio da qual diagnostica e trata recém-nascidos marcados por traumas pré e perinatais, obtendo - segundo suas observações e depoimentos - uma completa remissão dos sintomas.
O trabalho clínico destes terapeutas tem fornecido subsídios para o conhecimento da existência e operância dos traumas pré0natais. Porque este quer sejam natais, pré-natais, do momento da concepção ou anteriores a ela, têm o poder de reger a conduta pós-natal, determinando padrões psicopatológicos, psicossomáticos e de comportamento, num movimento regido por repetição compulsiva que somente pode ser desfeita mediante a identificação verbalizada - interpretação portanto - ou ab-reação catártica (descarga emocional terapêutica) seguida de uma verbalização que conceitua.
É neste ponto que o caminho da psicologia pré-natal cruza com o da psicanálise. É minha opinião que precisamente nos pontos de registros traumáticos pré-natais é que se encontram estabelecidas as raízes mais profundas de determinadas psicopatologias, bem como de afecções psicossomáticas, objeto por excelência da psicanálise. Considero que todas as experiências biológicas pelas quais passa o ser desde a sua pré-concepção até o seu nascimento, ficam registradas em uma matriz básica inconsciente.
E, como já dizia Freud em 1900: “No inconsciente nada se esgota, nada é passado nem esquecido (...) e o que costumamos descrever como sendo o nosso caráter baseia-se nos traços mnêmicos de impressões, sendo que aquelas que maior efeito têm sobre nós são precisamente as que raramente virão a ser conscientes”.

6º --

COMUNICAÇÃO INTRA- UTERINA
ENTRE MÃE E BEBÊ

Existe uma comunicação entre mãe e feto durante todo o período gestacional. Esta comunicação se dá por meio de tr                                                                                         
vias: a do comportamento, a da fisiologia e a via empática.
        Vamos examinar inicialmente como se dá a comunicação pela via fisiológica, uma vez que é por seu intermédio que as emoções da mãe são veiculadas ao bebê.
Até há relativamente pouco tempo achava-se que a placenta funcionava como uma barreira protetora, deixando passar apenas os nutrientes e impedindo que substâncias nocivas chegassem ao feto.
Hoje esta noção mudou radicalmente: sabe-se que a placenta não funciona como barreira protetora, tampouco filtra subs­tâncias tóxicas ou nocivas ao bebê dentro do útero de sua mãe.
Sabe-se hoje que quaisquer substâncias ingeridas pela mãe são passadas ao feto. Assim, o fumo, o álcool e as drogas atra­vessam a placenta e afetam nocivamente o bebê. Por outro lado, as perturbações emocionais maternas que nela provocam alterações neuro-hormonais, ou em sua pressão arterial, também irão repercutir sobre o estado neurofisiológico do feto. Ou seja, seu estado emocional.

     Como ocorre isso?
      Todo e qualquer estado de perturbação emocional da mãe de qualquer pessoa - é acompanhado por alterações bioquímicas: as suas células nervosas passam a secretar quantidades maiores de determinadas substâncias nem'o­do que aquelas que são normalmente secretadas está tranqüila. Os neuro - hormônios que o organis­mo passa a produzir quando ela está emocionalmente perturbada são lançados na sua corrente sangüínea e, através dos ao feto pelo cordão umbilical.
     Dá-se o nome genérico de catecolaminas às substâncias neuro-hormonais  secretadas em níveis aumentados pelo organismo da mãe quando ela está em um estado emocional de maior tensão, ao qual hoje em dia se denomina estresse. As catecolaminas podem atravessar a placenta, provocando no feto um estado de perturbação semelhante àquele sentido pela mãe.
      Uma catecolamina da qual você certamente já ouviu falar é a adrenalina. A adrenalina é aquela substância que nossa glândula supra-renal secreta quando levamos um susto, fazendo disparar nosso coração, suar frio, deixando-nos trêmulos.
       Outras catecolaminas menos conhecidas por pessoas leigas são a noradrenalina, a serotonina, a oxitocina, a epinefina, a norepinefrina e a dopamina. Todas elas, uma vez lançadas na corrente sangüínea, produzem sensações psicológicas associa­das ao temor e à angústia. Quando presentes na corrente sanguínea da mãe, atravessam a barreira placentária entrando na corrente sangüínea que abastece o feto por meio do cordão umbilical. O feto irá então sentir a mesma perturbação emocional ­pela mãe: temor e angústia. Portanto, o temor e a angustia transmitidos ao feto pela mãe têm, na sua origem, um caráter eminentemente fisiológico.
         Outros estados emocionais da mãe, além daqueles relacionados com temor e angústia, também causam nela alterações neuro-hormonais que irão afetar o bebê: são os seus estados de tristeza profunda, depressão ou melancolia. Nestes estados ocor­rem alterações neuro-hormonais (bioquímicas) com uma série de substâncias, dentre as quais, principalmente, a elevação do nível de cortisol, que, lançado na corrente circulatória, pode afetar fisiologicamente o feto ou provocar nele uma reação do "fechar-se" em uma espécie de "escudo protetor" para ficar ao abrigo do efeito doloroso causado por tais substâncias.
Nos estados de depressão e de melancolia da mãe, além de o feto ser afetado fisiologicamente - leia- se, emocional­mente -, pode ocorrer outra agravante: a mãe, solicitada pela sua tristeza profunda ou entregue à sua depressão, deixa de estar afetivamente disponível para ele, deixando-o só.
No entanto, a disponibilidade afetiva - que faz parte da\ via de comunicação empática - parece ser de fundamental importância para o feto. Tudo leva a crer que ele necessita de ajuda da mãe para processar as impurezas e toxinas por ela produzidas e por ela a ele passadas, das quais ele sente necessidade de se livrar mediante uma desintoxicação realizada pela sua mãe para ele. Mas, se o estado emocional da mãe não favorece tal disponibilidade, se ela retira sua libido do contato com este hóspede passageiro que ela se dispôs a albergar, ela o deixa abandonado a uma situação de injusta sobrecarga e desampa­ro, com a qual ele sozinho não tem condições de lidar.
A disponibilidade afetiva da mãe é fundamental para que ocorra o desenvolvimento psico-afetivo do indivíduo, de célula a feto, de feto a bebê, de bebê a criança.
As lesões provocadas na estrutura emocional do ser por acidentes graves ocorridos na comunicação entre a mãe e o bebê durante o período pré-natal vão constituir imprints traumáticos, cujos efeitos propagar-se-ão, seguindo o modelo de propagação das ondas acústicas, vida afora.
         De recursos dispõe uma mulher grávida para efetuar um contato deliberado com seu bebê pré-natal?
          Ela pode, em vários momentos do dia, dedicar a ele uma ida: com ele conversando baixinho contando da suas atividades  e ocupações, dos preparativos feitos para recebe-los cantarolando cantigas de ninar, acariciando-o com ternura através do seu ventre, dedicando-lhe muito carinho. Nestas conversas intimas, dentre outras, ela poderá também lhe explicar o que teria transtornando  emocionalmente  poucos momentos antes.
      Certas perturbações emocionais são inevitáveis e fazem parte do cotidiano de qualquer grávida. Mas é importante lembrar da existência de recursos como o acima mencionado, mediante o qual é possível abrandar e até mesmo neutralizar o seu efeito negativo: quando a mãe vive momentos de estresse agudo ou alguma situação de perturbação emocional, o feto é inundado como já vimos por uma descarga neuro-hormonal de substancias fisiológicas que lhe causam sensações de pânico ou angustia profunda.. Em tais momentos, o pequeno ser, que não conta ainda com recursos próprios para discernimento ou discriminação, experimenta uma sensação muito radical de aniquilamento ou de ameaça de extermínio total.
    As marcas deixadas por tais situações vão se constituir em imprints negativos, núcleos geradores de pessimismo e desperança. As conversas tranqüilizadoras que a mãe pode ter com o seu bebê visam restituir a ele a sensação de segurança, otimismo e esperança, reforçando e reassegurando a permanência do vínculo de vida entre ambos.
 Os sentimentos negativos de abandono, desamparo, pessimismo, desesperança, desconfiança têm suas raízes fincadas na experiência pré-natal. Lembre-se de que, desde as primeiras situações da vida biológica, houve experiências de rechaço fisiológico e rejeição imunológica, que também receberam imprints, deixando marcas negativas. A partir destas, no decorrer da vida, são emitidos sinais negativos do tipo: “não sou desejado”, “não sou querido”, “não sou aceito”, “não sou acolhido”, “não pertenço”, reproduzindo, em outro nível, a angústia sentida pelo ser por ocasião do primeiro registro pré-natal.
Como você está vendo, a experiência intra-uterina não tem aquela conotação de segurança absoluta que antigamente lhe era atribuí-la.
Para concluir, desejo fazer um último assinalamento: neste período absolutamente inicial da existência, a todo trauma bio­lógico corresponde um correlato psíquico.
 

7º --


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Farrant, Graham. Cellular Consciousness. (Apresentado em International Congress on Pre and Perinatal Psychology, 2, San Diego, 1985.)
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WILHEIM, Joanna. Adopción y Rechazo. Trabalho apresentado no II Simpósio das Américas. Guadalajara, 1987.
         -- A caminho do nascimento: uma ponte entre o biológico e o psíquico. Rio de Janeiro; Imago, 1988.


        

INDICAÇÕES PARA LEITURA*


Infelizmente ainda é escassa a literatura em português sobre este assunto tão novo e tão fascinante.
Recomendo-lhe, em primeiro lugar o excelente livro do neonatologista norte-americano Marshall Klaus, intitulado O surpreendente recém-nascido, editado pela Editora Artes Médicas, de Porto Alegre. A edição brasileira deixa muito a desejar em relação à original norte americana, sobre tudo no tocante às reproduções fotográficas. Este livro, escrito pelo casal Klaus em 1985, é um texto absolutamente atualizado, tanto no que se refere às capacidades do recém-nascido quanto no que traz a respeito do desenvolvimento psico-fisiologico do feto.
O livro de Thomas Verny, A vida secreta do bebê antes de nascer, lançado nos Estados Unidos em 1981 e publicado em Português em 1989, numa boa e bem cuidada edição feita por C.J. Salmi, representa uma boa leitura para quem quiser familiarizar-se mais com o assunto.
Recomendo também o livrinho de Frederick Leboyer, Nascer sorrindo, lançado pela Editora Brasilense em 1974, ano de sua publicação na França. Além do Cérebro, de Stanislav Grof, publicado nos Estados Unidos em 1987 e editado no Brasil, representa uma leitura mais difícil e densa. E fatos da vida, de R. D. Laing, editado pela Nova Fronteira em 1982.
       O livro que mencionarei a seguir você não pode perder, embora tenha dificuldade para encontrá-lo: trata-se de uma belíssima realização da Editora Globo, Nascer é assim. Lançado em 1987 no Brasil, contendo as extraordinárias reproduções fotográficas de Lennart Nilsson e um texto singelo de Sheila Kitzinger, contando a história do bebê desde a sua pré-concepção até o seu nascimento; este livro nada deixa a desejar em lições estrangeiras.
      E finalmente, um livro de minha autoria: A caminho do - uma ponte entre o biológico e o psíquico. Lançado pela Editora Imago em 1988 é o relato da minha trajetória pes­to psicanalista, que me conduziu à constatação, alho clínico, da presença de registros mnêmicos de biológicas iniciais da existência. Esta constatação levou-me a formular uma nova proposta teórica em psicanálise  os efeitos psíquicos produzidos pelos primeiros traumas, sobretudo daqueles que se encontram "a caminho do nascimento". Conto neste livro como fui gradualmente elaborando hipóteses a respeito da gênese de certas configura­s patológicas, investigando em profundidade cres­cente o rico campo de formação da mente no período pré-natal, da pré-concepção ao nascimento.
       Finalmente, deixarei registradas aqui algumas indicações de leitura em língua estrangeira, caso o leitor tenha o interesse e a oportunidade em adquiri-las: Babies Remember Birth, de David Chamberlain, publicado por Jeremy P. Tarcher, Los Angeles, 1988; Pre and Perinatal Psychology - Na Introduction, editado por Thomas Verny, publicado por Human Sciences Press, Nova York, 1987; A Child is Born, de Lennart Nilsoon, texto de autoria de Lars Hamberger, publicado por Delacorte Pressl Seymour Lawrence, 1990; Prenaral and Perínaral Psychology and Medicine - E'1counter with the Unbom, editado por Peter Fedor­Freybergh, publicado por Parthernon Publishing Group, Grã-bretanha, 19'98; Realms af the Humans Unconsciaus e The Adventure of Self Discovery; de Stanislav Orof e os livros dos ingleses Frank Lake e Francis Mott.
Dois livres recém-editados em português vêm se somar à lista. Trata-se 3e Nove meses na vida da mulher, de autoria de Myriam Szejer (Editora Casa do Psicólogo, 1997) e Decifrando a linguagem dos bebês, organizado por Marie Claire Busnel (Editora Escuta, 1997).
E por último, não menos importante, os "Anais do I Encon­tro Brasileiro para o Estudo Pré e Perinatal (Abrep, 1993)" e "Decifrando a Linguagem dos Bebês", Anais do II Encontro \ (Aprep, 1997).


PARTE II

UM NOVO OLHAR SOBRE O BEBÊ

"No ventre de sua mãe o homem conhece o Universo e esquece-o ao nascer." Martin Buber [Eu e Tu]


Os olhos que hoje olham para o bebê que nasce enxergam coisas que os olhos de nossos pais não sabiam ver
E o que é que estes olhos vêem?
Eu vou lhe contar e você vai se encantar.
Em recente Colóquio realizado em Paris, organizado pela
"Causa dos Bebês"!, ouvi o seguinte relato feito por uma parteira; surpreendera-se com os gritos de um bebê que acabara de nascer - era um urro de protesto, enérgico e
determinado; foi difícil acalmá-lo. Pouco depois, nascia outro bebê com o mesmo tipo de urro e com expressão semelhante. Deu-se conta que entre os dois havia algo em comum: ambos os nascimentos ha­luzidos. Compreendeu que, à sua maneira, esses bebês exigiam uma satisfação. Depois dessa experiência, passou verbalmente aos bebês, nascidos em tais circunstancia pela qual fora preciso incomodá-los. Esta mes­z ainda outro relato: certa vez, passando pelo corredor das salas de parto, ouviu o nascimento de um bebê. Ao entrar na sala, deu-se conta de que se tratava de um bebê portador de uma fenda palatina. Contemplando-o, dirige..se mais, teremos que avaliar a extensão desta fenda no palato do seu nenê". Nesse momento, o bebê - jogando a cabecinha para trás - abre a boca num grande bocejo, expondo o pálato, dispensando assim qualquer manobra invasiva. Concluiu:”Através  da minha experiência com os bebês, convenci-me de que pequeninos e frágeis fisicamente, eles  são dotados de uma força surpreendente.. Sabem tudo. Compreendem tudo. O bebê é uma pessoa”.(1) 1. "La Cause des Bebés" foi fundada em 1995 por Myriam Szejer e Marie Claire Busnel, após a participação de ambas no II Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal [ABREP]; impactadas com o interesse e participação do público presente ao Encontro, sentiram a necessidade de contar com um espaço semelhante na França, afim de nele congregar pesquisadores e profissionais da área para uma troca de idéias e de experiências.
         Vou lhe fazer mais um relato que, somado ao anterior, lhe dará uma idéia clara sobre o que vem a ser este "novo" olhar que mencionei.
          Trata-se do depoimento de um pediatra francês. Recebe um recém-nascido de dois dias, que nascera em querendo apenas verificar se estava tudo bem. Martim, o bebê, está aos gritos na sala de espera. Gritos dilacerantes. Feitas a  primeira consulta, o pediatra constata que está tudo bem, tendo o bebê se acalmado com a intervenção da palavra falada e a ele dirigida, com muita competência, pelo pediatra durante a consulta. É marcado um retorno para a se­mana seguinte. Repetem-se, na sala de espera, os mesmos gri­tos da vez anterior. A mãe expressa estranheza: "Tudo ia tão bem desde a ultima consulta, mas ao entrarmos aqui, Martim reco­meçou a urrar como da outra vez.” O pediatra registra o comen­tário, sem no entanto ainda entender. No retorno marcado para daí a um mês, repetem-se os gritos do bebê desde sua chegada à sala de espera. Foi somente não longo da consulta aos três meses de idade, que as circunstâncias propiciaram um enten­dimento. Martim, um belo e forte bebê, calmo, paciente e atento, logo ao chegar, transforma-se subitamente em um amontoado de angústia, desespero e lamentos que expressa através de gri­tos, acalmando-se novamente na presença do pediatra. Mas a mãe continua muito transtornada e começa a falar: "Este corre­dor_.. Eu não me havia dado conta de que eu o conhecia, já o tinha percorrido... uma vez, bem no início da gestação; vim fazer uma consulta para uma interrupção voluntária da gravidez..." Sua voz embargada se rompe numa emoção genuína, enquanto Martim está com toda a atenção presa à fala de sua mãe. O pediatra intervem com uma fala que impressiona pela competência e sensibilidade: "Mas então, Martim, você é um verdadeiro fruto do amor. No início, quando você estava no ventre de sua mãe, ela não sabia se teria condições de ficar com você, protegê-lo e ajudá-lo a crescer. Sobretudo ela não sabia se isso seria possível para ela. Você vê, o seu pai e a sua mãe encontraram a resposta dentro de si. Decidiram se lançar, junto com você, na grande aventura da vida. E esta viagem que há um ano vocês estão fazendo juntos é tão extra­ordinária e maravilhosa que eles até esqueceram que já tinham esta­do neste mesmo corredor: Foi você quem os fez se lembrarem que neste corredor, quando se toma à direita, em vez de chegar ao meu consultório, chega-se no Serviço de Interrupção Voluntária da Gra­videz." A partir desse dia, Martim passou a comparecer às con­sultas calmo e sorridente; nunca mais chorou. [2]
           Deu para perceber?
            Retomo a citação de Buber: "No ventre de sua mãe, o homem conhece o Universo..." , mas - pergunto agora - será mes­mo que ele o esquece ao nascer?
     Os tempos mudaram. Os conhecimentos avançaram. A sua divulgação hoje é veloz. Hoje, graças à mídia, o que constituía novidade dez anos atrás é quase lugar comum. Saber a respeito das capacidades do recém-nascido e do feto, tais como: que o bebê quando nasce é capaz de enxergar, de distinguir a voz e o rosto de sua mãe; de reconhece-la pelo cheiro; de estabelecer com ela um contato olho-a-olho e de imitar expressões faciais do adulto2, e da mesma maneira - que o feto é um ser inteligente e sensível, que apresenta traços de personalidade próprios e bem definidos, dotado de uma vida afetiva e emocional, estando em comunicação empática e fisiológica com a sua mãe pré-natal, captando seus estados emocionais e sua disposição afetiva para com ele- faz hoje parte de conhecimentos que são de domínio público.
O bebê nasce sábio. E é deste bebê sábio que quero lhe falar. Deste bebê que - a cada novo dia - está sendo objeto de interesse, de descobertas, atenções, pesquisas e trabalhos. 2 Desde que esteja no estado tranqüilo de alerta, um dos seis diferentes estados de consciência do recém-nascido, os outros são: sono profundo, sono com sonhos, estado acordado sonolento, estado ativo de alerta e estado de choro ou grito.



PSICANÁLISE DE BEBÊS

Vou começar pela psicanálise de bebês e de recém-nascidos.
O desempenho do pediatra que atendeu o bebê Martim ilustra a prática cada vez mais freqüente e difundida na França, a da intervenção com a palavra falada dirigida a bebês e a recém-nascido;. É na França que se realizam neste momento as experiências e pesquisas mais inovadoras nesta área. É lá que a "escuta" para O que "dizem" os bebês e até mesmo os recém­nascidos está mais aguçada.
E no que consiste a psicanálise de bebês e de recém-nasci­dos? [3,4,5]
N a intervenção com a palavra falada, a palavra da verdade - como a ela se referem os psicanalistas franceses [e logo mais veremos o porquê desta designação] dirigida a bebês3 - quando estes manifestam sofrimento. Trata-se, portanto, de uma verba­lização. Come se faz com o adulto. 1 no estado tranqüilo de alerta, um dos seis diferentes estados de 'm-nascido, os outros são; sono profundo, sono com sonhos, estado
       E o que é verbalizado? Na psicanálise de bebês, o psicanalista ­apreender - através do relato que lhe fazem os _s que cuidam do bebê, o que em sua história, ou seja, durante a sua vida intra-uterina, ou na história da família antes dele vir a ser - teria constituído o dos sintomas que ele apresenta. O psicanalista conversa com o bebê como se estivesse falando com um adulto, para ele o que foi capaz de apreender. Os bebês reagem visivelmente a essas palavras, respondendo com sobressaltos acompanhados de grunhidos, com o que expressam os sentimentos provocados por estas revelações. O efeito dessa experiência verbalizada evidencia-se no corpo elo bebê; os sintomas desapa­recem. Isso porque tendo o bebê sentido que o sofrimento - expresso pelo sintoma - foi entendido, também sente que o seu apelo, seu pedido de ajuda, foi atendido. É este o significado da "contenção" a que se referem os psicanalistas : a intervenção com uma palavra falada que veicula en­tendimento, o  que por sua vez pode promover transformação. Trata-se, portanto, de verter para o lugar em que pode ser "pen­sado” algo que antes de contar com o significado dado pela l, era apenas sentido sem ser entendido.
        Ele entende o que lhe é dito porque isso se refere às expe­viveu. O psicanalista estabelece as conexões en­as e a história do bebê e de sua família. O corpo guarda memória. O papel do psicanalista é o ele nomear estas locando a palavra lá onde existe apenas um significado não dito, uma falta de palavra. É a isso que os psicanalistas c;ferem como sendo a palavra da verdade. É aquela palavra que contém o significado verdadeiro do acontecido com o bebê.
         Como já disse, o bebê utiliza a linguagem do corpo para se expressar; ele recorre a um amplo espectro de sintomas para se comunicar.
E quais são os sintomas aos quais recorre o bebê? Ele vomi­ta, regorgita, tem diarréias ou constipação, cólicas; recusa seio, fica anoréxico, apresenta bulimia, chora sem parar; dorme em excesso ou fica acordado em demasia; apresenta problemas de pele; hipotonia; não aumenta de peso; apresenta-se apático ou grita sem parar. Através destes sintomas ele expressa a dor de sua alma.
Para ajudá-lo a entender melhor o que acabei de expor, vou me valer dos relatos de duas psicanalistas de bebês: o de Caroline Éliacheff em seu livro Corpos que gritam e o de Myriam Szejer em Palavras para nascer.
Éliacheff relata o caso do menino Olivier a quem atende em consulta aproximadamente aos dois meses de idade. O bebê fora dado para adoção por sua mãe biológica, porque ela tinha muitos outros filhos e não tinha meios para criá-la. Olivier aguarda numa instituição do Estado a data legalmente estabelecida pela legislação francesa para que a adoção seja feita. O prazo de espera corresponde a um tempo estabelecido pelas autoridades para que a mãe biológica possa mudar de idéia e voltar atrás em sua decisão. Mas a mãe de Olivier não voltara atrás e ele foi considerado adotável. A partir desta situação começam a aparecer sintomas no corpo do bebê que até então estivera bem. Crostas impressionantes apareceram em seu rosto e couro cabeludo; sua pele começou a descamar; suas vias respiratórias Congestionadas começaram a chiar. Os médicos não consegui­am lidar com os sintomas apresentados pelo bebê. É quando decidem encaminhá-la à psicanalista Éliacheff.
Olivier comparece à consulta nos braços da berçarista que cuida dele. Esta relata à Éliacheff a sua curta trajetória. Após apreender o que lhe pareceu ser o suficiente para entender, a psicanalista faz a sua primeira intervenção com a palavra falada. Diz a lê o quanto a sua mãe queria bem: ao fazer a opção de dá-lo para adoção, escolheu este caminho para lhe oferecer oportunidades de vida melhores do que aquelas que lhe dar. Éliacheff prossegue, dizendo; lhe que ele achava que, para ser aceito pela sua  família de adoção, precisava mudar de pele para ficar com uma pele branca diferente da sua pele original [é quando o leitor fica sabendo que o bebê era negro]. Fim da primeira consulta. Após uma semana, Oliver retorna. Sua pele estava perfeitamente curada; mas a sua respiração havia se tornado mais ruidosa do que o relato da berçarista, novamente Éliacheff se dirige ao bebê, acariciando com a mão o seu umbigo, e diz: “Quando você estava no ventre de sua mãe, você não respirava.Sua mãe o alimentava através da placenta à qual você estava ligado pelo cordão umbilical.. Este cordão chegava aí no lugar onde está minha mão. Ele foi cortado quando você nasceu. O que eu estou tocando se chama  umbigo, é a cicatriz deste corte. Quando você nasceu, o cordão foi  cortado e você foi separado de sua mãe que havia decidido que assim seria. Você está respirando muito mal, talvez para reencontrar a sua mãe de antes da separação, quando I dela e não respirava. Mas se você decidiu viver, você não pode viver sem respirar. A sua mãe de antes, você a traz dentro de si, dentro do seu coração. Não é por você ter respirado que você a perdeu. Não é deixando de respirar que você irá reencontra-la”.
        Quando Éliacheff termina a sua fala, constata, abismada  tanto quanto a berçarista - que a respiração do bebê estava normalizada! [6]

           Myriam Szejer apresenta  o caso de uma recém-nascida, Lea, sobrevivente de uma gestação gemelar, em que havia sido praticado fetocídio seletivo por indicação médica, uma vez que a sua gêmea apresentava uma mal-formação que tornaria inviável a sua sobrevida pós-natal. Lea, a sobrevivente, recusa-se a mamar e a presença da psicanalista é solicitada. Quando a Ora. Myriam entra no quarto em que estão ambas, mãe e filha, dirige-se diretamente à Léa: "Sua irmã Sofia, que viveu ao seu lado dentro do ventre de sua mãe e cujos movimentos você sentia, morreu. É por isso que, antes de nascer, você deixou de senti;la se mexendo ao seu lado. É também por isso que você não mais a está vendo, nem voltará a vê-la. Claro, você pode guardar a sua lembrança viva em você, mas ela nunca mais estará ao seu lado." Três dias mais tarde, Myriam retoma, encontrando uma situação tensa. Léa havia emagrecido muito. Foi preciso entubá-la para alimentá-la com o leite materno, mas ela regorgitava e todos estavam muito preocupados. Novamente, Myriam dirige-se a Léa: "Me parece, Léa, que você quis nascer, mas agora parece que você não decidiu ainda se você quer mesmo viver e por isso você reluta em comer. Para viver é preciso comer. Você tem uma má formação no [havia sido informada pela pediatra], mas isso nada tem a ver com a má-formação que vitimou a sua irmã. Você não vai morrer disso. Apenas mais tarde, será operada e terá então um pé normal." Orienta as enfermeiras para que dêem o leite materno à Léa no copinho, a fim de que ela provasse o gosto do leite de sua mãe em sua presença. E à mãe sugeriu que colocasse o bebê em contato pele-a-pele sobre o seu ventre, para que pudesse escutar os batimentos cardíacos, sentir o seu calor e o seu cheiro. Visava com isso reconstituir para Léa seus referenciais pré-natais, estabelecendo um elo de continuidade entre o antes e o depois do nascimento, uma vez que Léa estava muito deprimida e não conseguia se assumir viva em função da gêmea morta. Myriam considerou que mediante o reencon­tro destas sensações, perdidas em função da brusca separação do corpo de sua mãe, Léa poderia se assumir viva e fazer do luto pela irmã, uma experiência de vida ao em vez de se identificar com ela num movimento de morte. No dia seguinte, a bebezinha havia feito a opção pela vida: dispôs-se a mamar no peito por ela mesma em grande quantidade e duas semanas depois deixava a maternidade.
        Estão aí duas ilustrações que lhe permitem apreender o que vem a ser a palavra da verdade a que eu havia me referido: trata-se de pôr em palavras o substrato essencial contido na experiência traumática vivida pelo bebê, seja antes de nascer seja logo após o nascimento. Trata-se de “traduzir” para ele os seus próprios sentimentos, que ele apenas sente sem saber o que sente. O psicanalista nomeia para o bebê o que antes era apenas sentido; ao nomear, coloca a palavra lá onde existia apenas um significado não dito, um vazio de palavra.

O PREMATURO NA UTI NEONATAL
Como já tive oportunidade de dizer; na França não apenas os psicanalistas sabem se dirigir ao recém-nascido desta manei­ra, com a palavra da verdade; equipes inteiras de profissionais da saúde que atendem os bebês - sobretudo os prematuros ­contam com este preparo, competência e adequação, permeando serviços de neonatologia, creches e berçários.
Não podemos deixar de considerar que se trata de impor­tante legado deixado por Françoise Dolto. Diversos serviços de neonatologia contam com psicanalistas em suas equipes de atendimento, como Myriam Szejer, na Maternidade do Hospital Antoine Béclere, em Clamart e Catherine Mathelin, no Serviço de Neonatologia do Hospital Delafontaine, em Saint-Denis. Catherine Druon, no Serviço de Medicina Neonatal do Hospital Port-Royal, especializou-se na técnica de observação de bebês pelo método de Esther Bick, adaptada para a observação de prematuros hospitalizados, como faz Romana Negri na Itália. [7]
Em nosso meio, graças a uma natural propensão da cultura brasileira para absorver o novo e à especial dotação para lançar mão da intuição, muitas destas abordagens estão sendo introduzidas pelos profissionais que integram as equipes de atendimento dos serviços de neonatologia (berçaristas, neonatologistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, intensivistas).
Estas equipes de atendimento estão sendo treinadas para apreender os mínimos sinais de comunicação emitidos por estes pequenos seres que pesam por vezes apenas 700 gramas. Ao se estar atento para uma observação mais apurada, pode-se perceber neles, desde muito cedo, esboços de comunicação com o outro. São manifestações de prazer, dor, espera ou fuga; eles assim expressam - à sua maneira - vivencias subjetivas.
È importante que aqueles que lidam com recém-nascidos, particularmente em berçários de alto-risco, levem em conta que o bebê - desde o nascimento - é um ser humano destinado a falar e a que se fale com ele.
 Assim, todo e qualquer procedimento que com ele for feito - doloroso ou não - deve ser verbalizado antes ou durante o procedimento É importante dirigir-se à criança chamando-a sempre pelo nome, quer seja parra tomar um banho, trocar-lhe as fraldas ou no caso de ter que misturar um procedimento doloroso [punção ou aplicação de uma injeção) - verbalizar o que será feito e a razão pela qual terá que ser feito. Adotando-se este procedi­mento - o de sempre verbalizar o que será feito - os observadores constataram  que os bebês se acalmam muito mais de­pressa; é como se sentissem menos dor.
      Preparar equipes para lidar com os bebês não é tarefa nem difícil nem impossível. Uma coisa tão simples como ensinar berçaristas a dizerem - por exemplo - a um bebezinho ao acorda-lo “estou te acordando porque preciso te fazer uma punção; desculpe por estar te machucando, mas é para o teu próprio bem” não é complicado. Ou, ensinar a verbalizar procedimentos tais como banhos de luz - no caso de bebês ictéricos - explicando ao bebê­ o que está sendo feito, o tempo que vai durar o procedimento e dizer-lhe que, depois de findo, a venda de seus olhos será tirada e ele irá encontrar de novo a sua mãe de quem esteve separado - isso tampouco é complicado. Precisa apenas ser ensinado.
Como já mencionei, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas integram, hoje em dia, as equipes de atendimento aos prematuros; cabe a estes profissionais estimular o corpinho do bebê, massageando-o de acordo com uma técnica apropriada, visando com isso oferecer à criança possibilidade de reinvestir o seu corpo d e uma forma prazerosa, e não somente sob uma forma utilitária e de cuidados, sejam eles dolorosos ou não. É interessante observar que se o prematuro não quiser ser moles_ tado, dará sinais disso evidenciando que prefere ficar entregue a si mesmo; isso deverá ser entendido e respeitado.
Uma UTI neonatal é extremamente barulhenta: o ruído do motor das incubadoras, os barulhos da sala em que os adultos falam alto, depositam ruidosamente objetos metálicos ou outros em cima de qualquer superfície ou tamborilam nas incubadoras enquanto observam o bebê, tudo isso constitui uma agressão considerável para o extremamente sensível aparelho auditivo do recém-nascido. Estudos recentes revelam um alto índice de perda de função auditiva em crianças que foram submetidas a estes estímulos ruidosos em UTI neonatal. Portanto, além do estresse provocado por tal falta de sossego infligida a um ser que deveria ainda estar dentro do ventre de sua mãe amadurecendo seus sentidos, há a considerar os efeitos danos sobre os sistemas nervoso e auditivo que necessitam de um ambiente tipo "estufa" para alcançar o ponto de relativa maturação em que este ser possa ser colocado no meio ambiente fora do útero de sua mãe para "prosseguir viagem". O número excessivo de vezes - 234 - em que o recém-nascido é tocado ou manipulado no decorrer de um dia numa UTI neonatal impede-o de fazer a sua “restauração” através do sono reparador, ou da quietude de que cada um de nós necessita para se refazer dos desgastes diários.
          Existe recursos aos quais se pode recorrer sem dificuldade  e que terão  uma importância muito grande para a vida psíquica deste pequeno ser que acabou de nascer, que sofre com a separação prematura do corpo de sua mãe, considerando sem­pre que tal separação representa uma experiência dolorosa que requer elaboração.
         E quais são estes recursos? Inserir na incubadora de um pre­maturo uma peça de roupa da mãe impregnada com seu cheiro, uma fita-cassette Poe ela gravada falando docemente com o seu bebê, ou uma fita-cassette contendo uma música que a mãe costumava escutar ou cantarolar durante a gravidez. É importante ter em mente o significado para um recém-nascido que acabou de sair de um espaço confinado dentro do qual viveu meses junto de sua mãe, para um estado de nudez sem contenção, com os olhos vendados, num espaço aberto das incubadoras submetidas à fototerapia - é certamente traumatizante. Toda e qualquer experiência traumática, na medida do possível, deve ser acompanhada de verbalização, elemento indispensável para que possa ser feita a sua elaboração.

   Dor no feto e no recém-nascido

            Passarei agora a um outro assunto que também entrou na seara dos novos conhecimentos há relativamente pouco tempo. Trata-se da questão da existência de dor, tanto no feto como no recém-nascido.
           Hoje sabemos que a partir da sétima semana gestacional estão instalados os receptores sensoriais e as vias de condução do estímulo nervoso, em função do que, desde muito cedo, o feto é sensível à dor. Este vem a ser um dado de extrema importância em vista de uma nova área da medicina inaugurada há também pouco tempo: a medicina fetal. Saber que o feto sente dor torna-se fato de extrema importância a ser considerado nas várias modalidades de intervenções; cirúrgicas intra-uterinas que hoje - graças aos avanços da tecnologia - vêm sendo pra­ticadas com crescente freqüência.
Mencionei a existência de dor no feto; vou me deter na do recém-nascido. Os conhecimentos referentes a este assunto são também muito novos. Consultando a bibliografia da tese de doutoramento da Dra. Ruth Guinsburg [1993] - "Dor no re­cém-nascido prematuro e ventilado" [8] - constata-se que 90% dos trabalhos referidos datavam daquela Última década, sendo que a maioria datava daqueles Últimos dois anos. Citando a autora; "Os recém-nascidos [prematuros] sentem dor (...) Quase tudo que é feito para e pela criança é doloroso (...)" Em sua tese, Ruth Guinsburg sustenta que a criança pode morrer de dor, porque fica metabolicamente descompensada. E afirma ainda: ,"O recém-nascido tem uma linguagem; ele não fala a mesma linguagem que nós adultos falamos; ele tem uma linguagem própria; cabe a nós entender esta linguagem; ele recorre a ela para nos co­municar que sente dor e nos mobilizar para que façamos alguma coisa por ele" [9].
Até o inicio da década de 1980, elevado índice de pediatras ignorava a existência de dor no [feto e] recém-nascido [10], em decorrência do que intervenções dolorosas e peque­nas cirurgias -- como a circuncisão, por exemplo - eram praticadas sem anestesia! Se nós enquanto psicanalistas considera­mos que toda experiência traumática tem registro e é guarda­da num banco de dados inconsciente produzindo seus efeitos vida a fora, fácil é entender que m. ecos destas experiências dolorosas e traumáticas far-se-ão ouvir à grande distância, repercutindo sempre.




O BEBÊ: UM SER DE COMUNICAÇÃO

          O Prof. Colwyn Trevarthen, da Universidade de Edimbur­go vem, há mais de trinta anos, se debruçando sobre o universo, psíquico do bebê e do recém-nascido, estudando o seu comportamento e o seu desenvolvimento. Em trabalhos recentes, tem­nos dado contribuições importantes, referentes à capacidade de comunicação dos bebês [11]: "A criança nasce com uma intersubjetividade inata à qual a mãe responde intuitivamente me­lhor do que qualquer outra pessoa (...) A mãe procura se adaptar ao que faz o bebê. Este, capaz de perceber as emoções de sua mãe, é extremamente atento para identificar o ritmo e a qualidade do emitido por ela. Intercambiam assim as suas respectivas emoções e se unem em um mútuo prazer e excitação para a comunicação."
           Trevarthen chama a isso de proto-comunicação. Para explicar estes comportamentos tão complexos - e os delicados contatos regulados emocionalmente - propõe que devemos supor que o bebê seja dotado de um sistema cerebral fundado provavelmente sobre redes de células nervosas subcorticais e pronto a reagir com flexibilidade a uma variedade específica de informações que somente o suporte de um parceiro humano pode proporcionar. E acrescenta: “O bebê nasce com um conjunto de capacidades inatas perceptivo-motoras que o preparam para empreender a comunicação (...) O desenvolvimento da comunicação a partir do nascimento revela a motivação inata e primordial da criança para entrar em contato com os sentimentos, interesses e intenções do outro. (..)”.
         Trevarthen considera que para o recém-nascido o mundo externo já existe; ao nascer, o bebê demonstra interesse pelas pessoas e objetos que o cercam. Afirma que o bebê nasce com um self suficientemente desenvolvido para fazer a distinção entre self e outro, e que esta capacidade encontra-se estabelecida desde antes do nascimento. Sua observações o levaram a concluir que, em suas linhas gerais, o sistema emocional está completo antes do nascimento e rege a consciência, a ação e o aprendizado a partir do nascimento.
          Pa confirmar as afirmações de Trevarthen, volto para as a Ora. Alessandra Piontelli [12]. Mencionei suas pesquisas na primeira parte deste livro, no capítulo referente à personalidade do feto. Recapitulando: há cerca de trinta anos uma pesquisa de observação de fetos através do ultrassom. Com um subseqüente acompanhamento destas cri­ vida pós-natal, até a idade de quatro ou cinco anos. Seu objetivo era o de verificar se existe ou não continui­dade de comportamento antes e depois do nascimento e de m observações pré e pós-natais de gêmeos - ques­tões referente  à individualidade, uma vez que constatava a m caráter absolutamente definido evidentemente manifesto nos bebês no momento do nascimento. Para além do já exposto, cabe acrescentar que fica claro - a partir de relatos posteriores deus - que existe uma intencionalidade nos gestos e na movimentação, assim como  o reconhecimento da presença de um outro diferente do “si mesmo” (13). Estas crianças acompanhadas na vida pós-natal - particularmente os gêmeos - revelaram, através do brincar e do verbalizar, que procuravam reproduzir passagens de sua vida pré-natal. Tais constatações levaram a Dra. Piontelli a concluir que até uma determinada idade ­aproximadamente, 4 anos -- as crianças pequenas lembram de suas experiências pré-natais e que tais atividades não represen­tam uma simples reprodução desse passado, tampouco uma re­petição compulsiva. Piontelli entende que se trata de uma re­construção desse passado, num esforço para associar emoções e lhe dar um significado. Trata-se, portanto, da busca de uma elaboração. A partir desta idade, estas memórias são esqueci­das, cessando as atividades que dramatizavam o passado pré­natal bem como as verbalizações que a ele se referiam. Em vir­tude desta constatação concluiu que, num determinado mo­mento do desenvolvimento psico-afetivo da criança, ocorria um total esquecimento do passado intra-uterino; chamou a isso de amnésia infantil.
Neste momento, a atenção da Dra. Piontelli está especifi­camente voltada para o estudo observacional pré e pós-natal de gêmeos. A acuidade de sua observação lhe permite notar diferenças mínimas e assimetrias existentes na localização dos gêmeos no útero. Considera que estas diferenças - aparente­mente pequenas - podem, no entanto, ter um efeito explosivo no estabelecimento dos perfis psicológicos e no comportamento na vida pós-natal. O fato de o ambiente intra-uterino não ser nem idêntico nem compartilhado de maneira igual pelos dois componentes do par produz diferenças comportamentais até em gêmeos monozigóticos, dotados de um patrimônio genético idêntico. O feto gêmeo é afetado não apenas pelas inúmeras in­fluências do ambiente intra-uterino, mas também pela intera­ção com o outro gêmeo. No melhor dos casos, diz Piontelli, ele precisa lutar para se nutrir; no Pior, ele pode ser gravemente - se não mortalmente - ferido pelo seu co-gêmeo. As diferenças originais e a sensibilidade acrescida às condições iniciais, com todos os efeitos que disso decorrem durante este período particularmente agitado e sensível, podem desempenhar um papel mais importante nas diferenças chamadas constitucionais do que outros fatores que afetam a vida depois do nascimento.

A LINGUAGEM DOS BEBÊS

A linguagem dos bebês: sabemos entendê-la? é o título do livro organizado por Marie Claire Busnel, contendo depoimen­tos de profissionais da saúde que lidam com bebês, de mães e de pais. Ele constitui importante contribuição no que tange os testemunhos à as várias formas em que, na vida pós-natal, se manifestam as apreensões feitas pelo feto durante a sua experi­ência intra-uterina. Através destes relatos, alcançamos a amplitude da linguagem com que os recém-nascidos e bebês co­municam as apreensões que trazem de sua experiência intra­uterina. O caso que lhes relatei, do pediatra francês que atendeu o pequeno Martim, ilustra isso.
Como estou abordando as contribuições de Busnel, vou aproveitar pan mencionar as suas pesquisas em audição fetal e neonatal. Destacarei algumas: o feto tem os mesmos estados de consciência que o recém-nascido [sono tranqüilo, sono com sonhos, acordado, estado tranqüilo de alerta e estado ativo de alerta] e, da mesma forma que este, só é capaz de prestar aten­ção quando em estado tranqüilo de alerta. Através de suas pesquisas, sabemos que o feto ouve e escuta. Ele ouve e escuta a voz de sua mãe e da de seu pai, desde o sexto mês de gestação e também os ruídos de fora do útero (antes disso ele “ouve” com a pele, como nos ensinam os haptonomistas). Ele tem memória; diferencia a voz de um homem da de uma mulher; reconhece um texto ou uma música previamente ouvidos e é capaz de reconhecer cheiros. É no seu sono com sonhos que o feto memoriza, elabora e integra, à sua maneira, os dados sensoriais de sua experiência intra-uterina, sob a forma de registros de prazer-desprazer.
          Ao fazer o experimento com recém-nascidos de dois-três dias, Busnel constatou que eles preferem uma voz ao silencio e que preferem uma voz feminina à masculina, e voz de sua mãe -mesmo gravada - à de uma mulher; discriminam os sons agudos dos graves e a sua língua materna dentre as outras.
       Durante a experiência intra-uterina, em cada estágio de seu desenvolvimento, uma ou outra forma de sofrimento pode estar sendo experimentada. Este sofrimento, no entanto, mesmo que inscrito no período pré-natal, somente poderá ser “escutado” e decodificado após o nascimento.
      Atualmente, Busnel está pesquisando as reações do feto quando sua mãe se dirige a ele em voz alta e quando ela a ele se dirige em pensamentos. Estes resultados ainda não foram publicados, mas Busnel adianta que são surpreendentes.
    Já tivemos oportunidade de ver - quando falei da psicanálise de bebês - que os bebês usam a linguagem do corpo para se expressar. Aprendemos com Myriam Szejer que o bebê - e o feto também - é um ser desejante; ele é dotado de um irredutível desejo de vida. Longe de ser um mero organismo em desenvolvimento, trata-se de um individuo que expressa seus desejos e sua personalidade, lutando pelo seu direito à vida e pelo respeito à sua autonomia e individualidade, tendo intencionalidade em suas atitudes, em seu comportamento e em suas manifestações motoras e somáticas. Quando este desejo de vida estiver sendo contrariado, é que os sintomas aparecem.
O choro do bebê é entendido hoje como uma tentativa de comunicação com a mãe. Se esta tentativa fracassar, se ela não for entendida, o corpo irá sediar a linguagem através dos sintomas.
Aprendemos com a psicolingüista Benedicte de Boysson Bardies que o recém-nascido, mesmo de poucas horas de vida, tem sede de palavras. Demonstra interesse pelas palavras que lhe são dirigidas: presta muita atenção e costuma abrir a boca bem grande como para engolir a voz que se debruça sobre ele. Logo saberá distinguir os ruídos da casa, ou do hospital, das palavras carregadas de significado.
Os recém-nascidos são sensíveis aos afetos; com dois dias de vida podem ser registradas as suas reações, que diferem quando a mãe lhes fala de maneira triste, alegre ou zangada [Masakowski, 1996]. De fato, os recém-nascidos são sensíveis ao que se lhes diz; prematuros ou não, exigem sentido. Se rea­gem à voz de sua mãe e às palavras ditas, deixam, no entanto de reagir se esta Lhes chega através de um gravador contendo a mesma fala, com a fita passada de trás para diante. A lingua­gem dos recém-nascidos - como os bebês compreendem o que lhes é dito - é uma área que está começando a ser desbravada.
A sensorialidade fetal e precoce e a linguagem têm como denominador comum a memória. Na área das neurociências, mencionarei rapidamente três pesquisadores que trouxeram contribuições importantes para o estudo da memória: o francês Jean-Pol Tassin, o norte-americano Gerald Edelman e a tam­bém norte-americana Candace Pert.
         Tassin e Edelman estudam a função de memorização do cérebro, enquanto a contribuição de Pert refere-se à função dos neuropeptídeos como veiculadores e distribuidores das informações por todo o corpo.
        Tassin (14) baseia-se no modelo de tratamento analógico do cérebro. A entrada repetida de uma mesma informação cria uma memória. Cada memória corresponde a um estado mínimo de energia. Este estado pode ser considerado como um "tanque de impulsos”           que atrai, na direção da memória armazenada, todas as informações que lhe são próximas, e as torna analógicas a essa memória. Assim o sistema nervoso central trata a informação em paralelo e reconstitui, a partir de elementos esparsos, uma informação completa. Essas memórias se constituem antes Segundo Tassin, as mensagens sensoriais que o recém-nascido recebe podem somente ser tratadas de um modo analógico inconsciente. Portanto, as lembranças-aprendizado não poderão ser r trazidas volitivamente à consciência, pois seu foi feito por um processo que não é imediata­vel com o funcionamento do sistema nervoso to em estado de vigília.
           Edelman.15,16] demonstra que o cérebro evolui agregando novas capacidades de criar um número cada vez maior de áreas operacionais, sem precisar de programas inatos para funções especificas. Ele demonstra que, no decorrer do desen­volvimento cerebral do embrião, forma-se um esquema de co­mente variável e individualizado entre os neurônios. Após o crescimento, um esquema de conexões neuronais aparece para cada indivíduo, mas, em resposta aos estímulos sensoriais recebidos pelo cérebro, apenas certo combinações o selecionadas. A memória não seria a réplica de uma imagem no cérebro, mas uma atividade que produz categorias novas, de um passado reconstruído em função do presente, com a estimulação ativando formas de traços a partir dos quais se opera uma reconstrução que resulta numa lembrança.­
        Candace Pert (17) pesquisa neuropeptídeos - moléculas fabricadas pelas células nervosas - e seus receptores. Estas substâncias bioquímicas são as substâncias da informação, moléculas mensageiras que a transportam, circulando e ligando o cérebro, corpo e mente, possibilitando o seu processamento e o seu armazenamento. Elas transitam entre os sistemas - nervoso, endócrino e imunológico - e entre as funções de cada sistema, constituindo desta maneira uma rede de comunicação.

MEMÓRIA CELULAR

Você deve estar lembrado quando no terceiro capítulo da primeira parte, ao tratar da fotografia intra-uterina, eu lhe dizia que era premissa básica deste livro considerar que todos os acontecimentos biológicos pelos quais passa o ser na sua trajetória de célula a bebê - todos, sem exceção - ficavam registrados numa memória, a que chamei de memória celular [18].
Vou agora procurar explicar melhor a que me refiro quando falo em memória celular. Vou recorrer, em primeiro lugar, a algumas formulações de minha autoria4. Todas as experiências biológicas ocorridas com o ser desde a formação de cada uma de suas duas células básicas componentes - (espermatozóide e óvulo ­até o momento de seu nascimento, são registradas em uma protomente por meio de uma memória celular. Virão a constituir a nossa phantasia básica inconsciente, que fica depositada no fundo das nossas mentes, sob a forma de uma matriz básica que, no decorrer de nossas vidas, irá se manifestar toda vez que um fato da realidade atual esbarrar num destes registros básicos. Nesse momento, dar-se-á um aflorar do contido neste “ corpúsculo” de memória presente na matriz básica evocada, que irá se instalar na mente com todo o colorido afetivo-emocional pertencente aquela primeira experiência original que está sendo evocada. Será assim para as emoções básicas de angustia, inveja, ciúme, sentimento de rejeição, de exclusão, de abandono, de desamparo, de miséria, privação; mas também de acolhida e aceitação - para mencionar algumas. Poderíamos portanto considerar que todas estas emoções são phantasias5 - ou melhor: memórias emocionais, evocações, transferências.(19) 4. “Anatomia” apresentado em reunião cientifica da Sociedade Brasileira de Psicanálise, em novembro 1983 e “Gêneses” em outubro 1986.
Ao propor a existência de uma matriz básica inscrita por meio de uma memória celular, eu propunha que qualquer célula do nosso soma - desde os primórdios de nossa existência - tem uma “psique”: todas “sentem” e “pensam” e será este “sentir” e este “pensar” que é registrado na memória celular. Portanto, a phantasia básica inconsciente seria a representação no plano psíquico dos registros referentes aos fatos e fenômenos ocorridos no nível somático, nos primórdios da nossa existência biológica. Com o que estou considerando a phantasia como sendo uma memória e não uma criação da mente: ela se refere sempre a algo que realmente aconteceu; mas o fato registrado pela memória celular ocorreu em um momento em que não havia ainda condições para a mente tomar dele conhecimento; o seu armazenamento pode ter sofrido distorções, superposições, deformações. Mas o colorido básico se mantém.
Quem diz isso muito bem é o psicanalista californiano Michael Ian Paul (20): “Possuímos agora crescente e convincente evidência de que há receptividade mental no primeiro mês do desenvolvimento embrionário (...) Assim há vestígios de estruturas embrionárias primitivas tais como notocordomas e quistos de fendas branquiais no adulto humano, que se manifestam na vida adulta sob formas patológicas, podem também existir estados psíquicos primiti­vos que são vestígios do estado mental fetal [...] registrados em engramas ou resíduos mnêmicos, que se apresentam com variados graus de expressividade [..,] Em determinadas situações, estes está­gios de desenvolvimento mental podem dominar a mente do adulto e estas memórias e "interpretações" feitas pela mente fetal encontram expressão. "
Complementando o que formulei sobre memória celular, trago o testemunho dos psicanalistas franceses, Olivier e Varenka Marc [21], que trabalham com crianças pequenas: “Tudo é memória. O ser vivo sente e guarda. O organismo não esquece nada I...] A criança sabe tudo sobre o seu passado, sobre as suas vivências celulares, embrionárias, fetais..”. 'Tem consciência de suas origens consciência celular de si mesma, consciência das divisões celular, em si... Nosso corpo não esquece nada do que tenha experimentado".
Observando os desenhos produzidos por uma menina du­rante a sua trajetória analítica, dos dezoito meses aos seis anos de idade, perceberam que estes reproduziam momentos de seu desenvolvimento embrionário [de célula a feto]:
"Ficamos com a impressão de que a trama de fundo de todos os desenhos desta criança era a sua história pré-natal, seus nove meses de vida intrauterina, toda a história de seu desenvolvimento embriológico [..,] Separamos desenhos de outras crianças, e cons­tatamos que em todos compareciam evocados aspectos da vida pré­natal. [...] E não se trata apenas de uma intuição; quando compa­ramos documentos embriológicos com os desenhos infantis, e estes Com grande nÚmero de desenhos tradicionais que existem em todas as Culturas, percebemos que todos relatam situações idênticas. Hoje temos acesso à confirmação disso através da microfotografia intra­uterina e da ultrassonografia (...) O ser humano nunca inventou nada que não tenha experimentado. Esta hipótese da permanência  sensorial e da permanência do vivido ou experimentado no período pré-natal parece ser cada vez mais confirmada pelos progressos da embriologia. (...) Os primórdios da vida psíquica estão inseridos no corpo. Ao estudarmos a arqueologia - ou a pré-história - da consciência, constatamos que (no inicio) consciência e matéria estão confundidas; vemos uma matéria que cresce e se desenvolve. Não há consciência aparentemente; trata-se apenas de uma matéria em desenvolvimento. Trata-se ainda de uma consciência não consciente. Será a partir do momento em que a criança pode colocar esta representação numa imagem, é que concluímos que está ocorrendo um processo de consciência.(...) O corpo se lembra, mas não pode simbolizar. Acreditamos que a vida começa no momento do encontro entre o óvulo e o espermatozóide e que aí começa um processo de armazenamento de memórias no corpo. (...) O corpo armazena sensorialmente tudo o que foi experimentado desde o estado celular. E em função das situações, certos acontecimentos podem ser experimentados ou re-experimentados, muitas vezes muito mais tarde, traduzidos por um desenho ou um movimento, com um realismo interno absolutamente incrível”.(22) 6.Tradução livre da autora.


VINCULOS AFETIVOS E O BEBÊ ADOTADO

Você conhece a dor por perda? Algo que era seu e que deixou de ser seu de repente? Isso pode se referir a coisas; mas a perda é, sobretudo dolorosa quando se refere a pessoas.
Essa "dor por perda" resulta dos investimentos afetivos com os quais envolvemos as pessoas e as coisas com as quais convivemos. Tais "investimentos" vão constituir os "vínculos". 50' mos essencialmente seres de vinculação porque nós - seres humanos - somos seres de afetos. São os afetos que nos ligam: uma energia psíquica que nos acompanha em tudo que fazemos, vivemos: experimentamos e que é constantemente projetada sobre "o que" ou "quem" estivermos nos relacionando. São os nossos "'elos de ligação". E assim somos desde que fomos constituídos: porque já as duas células germinativas das quais resultamos receberam um investimento afetivo desde que se originaram. Já elas foram investidas desta energia que acompanha a vida e dá um sentido afetivo a tudo que fazemos e vive, mos. Todas as, experiências posteriores foram se somando àquelas iniciais. Portanto, quando o bebê nasce, ele já vem com uma bagagem de afetos.
        Pois bem imagine um bebê que acabou de nascer, que saiu de dentro do corpo de sua mãe que albergou durante todo o período inicial de sua existência que de repente se vê privado da possibilidade de retornar ao contrato com ela. A proximidade sensorial do recém-nascido com a mãe através do contato pele-a-pele, do toque, da audição, do olfato e da visão - contatos com este outro corpo que ele conheceu antes de nascer e que ele re-conhece agora - são estruturantes; eles reatualizam o vínculo pré-natal. E isso fornece os alicerces para o estabelecimento de sua identidade.
        Posto isso, penso que torna-se fácil visualizar o que acontece com o bebê que, ao nascer, é separado de sua mãe para ser dado em adoção.
       Creio que pintei com cores suficientemente dramáticas o significado e a repercussão que esta ruptura tem na mente de um bebê que, logo depois de nascer, é separado de sua mãe para sempre, perdendo-a com os significados que ela para ele tem.
       E aqui introduzo, sem me deter, o significado das “barrigas de aluguel”: tudo que expus até agora por si e dispensa outros comentários.
       Mas, voltando à adoção. Há situações em que a ruptura acontece e não tem como ser evitada. Como então lidar com o inevitável que é tão profundamente traumático? Como ajudar este bebê a fazer a transição difícil do antes para o depois, sem contar com os elementos necessários?
        Todo ser humano tem a necessidade de sentir uma continuidade na constituição do seu ser, para estabelecer a sua identidade e as condições necessárias para isto lhe são dadas pelo contato com os pais. A dor que a ruptura deste contato produz na alma do bebê é muito grande; uma dor que ele sente sem entender o que sente, porque lhe faltam as “ferramentas” para ele poder “se pensar”. Esse imenso sofrimento de alma irá se expressar através de sintomas; será à linguagem do corpo que a alma sofrida irá recorrer.
Neste livro, trato de psiquismo pré-natal, com o que pres­suponho que é no período anterior ao nascimento que se encontram as nossas raízes. Um ser que nasce e ao nascer é corta­do de suas raízes, se vê privado da transição e continuidade necessárias para a constituição de sua identidade... Como será o seu desabrochar?
A nossa identidade é constituída mediante assimilações que fazemos - pela via dos afetos - em momentos-chave de nossa trajetória - de aspectos e atributos dos seres que nos cer­cam. Ela se constitui em função de nossa história pessoal e da história de nossa família e da de nossos antepassados. A brutal ruptura na continuidade de ser deste bebê que é separado de sua mãe ao nascer precisa ser preenchida por dados o mais próximos da verdade.
Você deve estar lembrado, quando no capítulo referente à psicanálise de bebês e de recém-nascidos, eu falava dos "não ditos". Pois bem, toda esta situação relacionada com as origens do ser, com as raízes da criança dada para adoção, pertence ao assunto dos "não ditos". A criança dada para adoção está com o seu mundo interno carregado de "não ditos". Estes precisam ser preenchidos por uma palavra prenhe de verdade, que se refere àquele ser e às suas origens pré e perinatais, para que o indivíduo-bebê possa elaborá-la e assimilá-la. Uma verdade mutilada constituir-se-á em pontos de traumas não elaboráveis, obstáculos do desenvolvimento.
Se a separação do corpo da mãe é traumática por defini­ção e, em circunstâncias normais, o ser irá requerer muito tem­po para elaborá-la, o que dizer do bebê que nasce "sabendo" que nunca mais irá reencontrar a sua mãe de antes de nascer, com a qual estabeleceu o vínculo mais forte e importante de toda a sua vida, do qual todos os demais serão decorrências ou transferências?
A criança precisa ser ajudada a reconstituir a sua história.
Sabemos de muitas histórias de adoções mal-sucedidas. Mas isso não constitui uma condição inevitável; a adoção pode ser bem-sucedida se forem respeitadas as necessidades básicas da mente humana.
E quais são estas necessidades básicas?
        A acolhida é sem dúvida uma necessidade básica da mente humana. No entanto, os pais adotivos não podem deixar de considerar que, antes da acolhida por eles oferecida a este pequeno ser, ele primeiro foi rejeitado. Ele veio ao mundo marcado ia "negativa": durante os nove meses de sua ex­ -uterina, recebeu mensagens negativas de sua vou poder ficar com você", "vou me livrar de você nascer". Estas mensagens feriram profundamente o narcisismo básico do pequeno ser. Ele nasce, sentindo­-se mal-amado e rejeitado. A mãe biológica evita vincular-se ao dentro de si, numa manobra defensiva para se proteger de sofrer. Sabemos que o bebê pré-natal capta os esta­dos emocionais de sua mãe em relação a ele. Quais então são as mensagens que ele capta? O que é que ele registra?
        Se o vínculo afetivo constitui a seiva básica de nossa vida, os prejuízos que isso trará ao pequeno ser desde antes de ele nascer.
       Como fazer o resgate de tamanho prejuízo?
       Vou considerar uma situação ideal de adoção: quando o é adotado muito pequenino. Será para os aspectos de ruptura­ e descontinuidade que a atenção deverá ser dirigida. O ideal seria que os pais adotivos possam estar presentes no nascimento bebê, para lhe assegurar uma continuidade de ser, registrado para ele os acontecimentos que mais tarde po­derão lhe transmitir. O ideal é que, logo depois de nascer, o bebê - após sentir o cheiro do corpo de sua mãe biológica - possa ser colocado em contato com o corpo, pele-a-pele, de sua mãe adotiva, sendo este procedimento acompanhado de uma verbalização. Se este pequeno ser puder levar consigo uma peça de roupa com o cheiro de sua mãe biológica, eventualmente uma fita gravada com a sua voz, explicando porque precisa deixa-lo aos cuidados de uma outra mulher... seriam estas as condições que se aproximariam das idéias.

Os pais adotivos - na medida do possível - devem proceder com o bebê como procederiam os pais biológicos: contato pele-a-pele, olho-no-olho. Desde o começo, palavras ditas pre­enchendo os não-ditos. Resgatando para o bebê os aspectos amorosos de vida existentes na primeira relação com a mãe biológica: "tua mãe não tinha meios para te criar; preferiu te dar a oportunidade de ter melhores condições de vida do que aquelas que ela teria podido te proporcionar. Respeitou tua vida; te fez nascer para te oferecer a oportunidade de viver melhor do que você viveria junto dela" .
Se porventura o bebê tiver que permanecer numa institui­ção aguardando a adoção, deverá ser sempre individualizado: de preferência, sempre atendido pelos mesmos profissionais, que devem chamá-lo pelo seu nome; devem conversar com ele, informando-o do curso que o seu processo de adoção está tomando, ressaltando sempre os aspectos vitais, positivos e de esperança. É importante que o nome dado originalmente ao bebê, pela sua mãe biológica ou por outrem - seja preservado, pois ele já faz parte da identidade daquele ser. Outra recomendação impor­tante: manter um registro diário para esta criança durante o seu tempo de permanência na instituição, que ela levará consigo depois, testemunho do ocorrido com ela; um álbum contendo fotos suas e das pessoas que dela cuidaram durante a sua permanência na instituição, objetos que tiverem sido de seu uso, ou de sua mãe, quaisquer informações referentes à sua família de origem ou aos seus antecedentes, como forma de manter uma co­nexão com as suas raízes. Esses objetos ajudarão a criança a montar a história de sua vida. A mãe adotiva deverá contar ao bebê desde o início a história de seu nascimento e de como ele veio fazer parte da nova família. É importante lembrar que o bebê precisará primeiro elaborar a perda de sua família de origem ou daqueles que dele cuidaram, para depois ter condições de estabelecer novos vínculos com os pais adotivos.
Não devemos esquecer nunca que a primeira relação - a relação pré-natal com a mãe biológica - é uma relação de paixão; ela estabelece os sulcos sobre os quais todas as demais paixões na vida serão buscadas e irão se moldar.
O ser humano vai passar a vida buscando reencontrar esta paixão perdida.­


HAPTONOMIA

Você deve estar lembrado quando no Prefácio a esta edição eu dizia que a segunda parte deste livro conteria as contribui­ções que vêm surgindo no panorama geral do estudo e das práticas relacionadas com o psiquismo pré-natal, nos últimos dez anos. A Haptonomia é uma delas. Surgiu na Europa há cerca de trinta anos, criada pelo holandês Frans Veldman [23]. O nome estra­nho desta prática lhe foi dado pelo seu iniciador, que foi buscar no grego as palavras hapsis - que significa o toque, o ressentir, o sentimento. E nomos - que significa a lei, a regra, a norma; hapto do verbo haptdn, quer dizer "eu toco"', "eu reuno", "eu estabeleço relacionamentos". E no sentido figurativo ela quer dizer o estabelecimento táctil de um contato para ajudar a ficar saudável; curar. A haptonomia é - segundo Ve1dman - o conjunto de leis que regem o campo do nosso coração, dos nossos sentimentos. Ele a define como sendo a Ciência da Afetividade. Ela se baseia num princípio básico: o do direito primordial do ser humano à afirmação de sua existência e à confirmação afetiva de seu ser a partir do momento da sua concepção.
O destino coloco Veldman no caminho da Haptonomia quando, durante a Segunda Guerra Mundial, em meio a situações dramáticas relacionadas com deportação para campo de concentração, ele descobriu a importância do gesto com que um ser humano pode tocar um outro ser humano para lhe prestar solidariedade num momento de grande sofrimento. Na década de 1970, Veldman foi estabelecer na França, onde Leboyer já havia divulgado o seu trabalho e onde - através de Marie Claire Busnel - passou a participar do GRENN (grupo de pesquisa e de Estudos em Neonatologia) e mais tarde criou Oms o Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento da Haptonomia (CIRDH).
A aplicação da Haptonomia ao acompanhamento pré, peri e do bebê, objetiva o desenvolvimento da tríade pai-mãe, bebê visando ao estabelecimento de segurança de base no ser; os pais são ensinados a entabular uma comunicação com o seu bebê visando faze-lo se sentir acolhido por eles e amado.
Vou em breves linhas em que consiste este aprendizado, valendo-me do depoimento de uma haptoterapeuta, “Os pais são ensinados a pousarem suas mãos leve e ternamente sobre o ventre da mãe. Para promover o encontro com o bebê, Veldman chama atenção para o fato de que além do tonus muscular, o importante é que os sentimentos afetivos entrem em atividade. Quando surge de repente em suas faces o esboço de um sorriso ou é porque o encontro acabou de acontecer. Vê,se o ventre ondular; bebê atendeu ao convite e veio ao encontro da mão afetuosa e acolhedora.  Seguindo um suave embalo e com um .da um, a mão vai deslizando para a direita, depois para a esquerda e o bebê a acompanha, como num jogo lúdico.
Num outro momento - em meio ao silêncio - a mãe capta as vibrações afetivas do feto; ela o convida a se instalar próximo ao seu coração. É diálogo entre corações!” Assistindo certa vez ao  atendimento que Veldman fazia a uma gestante no sexto mês de gravidez, nossa relatora observou que o ventre tinha uma configuração estranha: estava baixo, caído. Veldman sugere então à mãe que - em pensamento - convide o seu bebê a mudar de posição, orientando,a a colocar a mão sobre o ventre naquele exato lugar para o qual deseja que seu bebê se dirija. Instantaneamente, o bebê mudou de lugar. Veldman em segui, da lhe diz para que convide o bebê - sempre apenas em pensa, mento - a subir até o seu coração. Mas a mamãe não foi capaz de mentalizar isso adequadamente. Então Veldman lhe diz: "não o pense; apenas sinta-o” 7.A Psicóloga Iracy Bertaccini (São Paulo).
A pesquisa haptonômica tem mostrado que importantes trocas são estabelecidas muito rapidamente entre eles [pais, bebê]. Depois de nascer, a criança n:vela que espera e busca o prolongamento dos contatos haptonômicos que foram experimentados e engramados durante o tempo em que viveu dentro do ventre de sua mãe.


E NO BRASIL, O QUE DE NOVO SURGIU NESTA ÚLTIMA DÉCADA? REHuNA, DOULAS, MÉTODO
CANGURU E A ABREP

FEZ DEZ ANOS


         ReHuNa [Rede Nacional pela Humanização do Nasci­mentoS é uma Organização não Governamental coordenada em nível nacional por Daphne Rattner9, Marcos Leite dos Santos10'e Paula Viana11. Surgiu [1993] da inquietação de alguns grupos e entidades de profissionais alarmados com "a situação do nas­cer em nossa sociedade"; o Brasil era o campeão de cesáreas do mundo! A cesárea tinha passado a ser considerada a forma "normal" de dar à luz e de nascer.
Do engajamento destes profissionais a favor da mudança de atitude e mentalidade, resultaram modificações significativas; alguns governos municipais e estaduais adotaram a humanização como sua política oficial e o governo federal adotou uma política explícita de redução das taxas de cesáreas. Muitos hospitais aderiram às propostas de humanização. Por todo o país profissionais vêm adotando em suas clínicas privadas prá­ticas de humanização. Instituições de ensino vêm incorporando essas noções em seus currículos: por exemplo, o Professor Hugo Sabatino idealizou e implantou na Unicamp o pioneiro Grupo de Parto Alternativo, tendo lançado um dos primeiros livros sobre humanização na assistência ao nascimen­to. O Ministério da Saúde tem oferecido incentivos a estas novas práticas de assistência, favorecendo a multiplicação de cursos de enfermagem obstétrica. Além disso, o Instituto de Saúde  (SES/SP), a Rede Ibfan, a Rede Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, a OPAS, a UNICEF, o Projeto Qualis e outros ara divulgar e implantar a nova mentalidade.
8. rehuna@yahoogrupos.com.br
9. Daphne Rattner é médica sanitarista e coordena o Grupo de Estudos sobre Nascimento e Parto (Instituto de Saúde-SES/SP) [daphne@isaude.sp.gov.br]
10. Marcos Leite dos Santos é médico obstetra, residente em Florianópolis [mleite@matrix.com.br]
11. Paula Viana é enfermeira obstetra, reside e trabalha em Recife na capacitação das parteiras tradicionais (curumim@ecologica.com.br)
        Doulas - “Doulas” é uma palavra de origem grega que significa “mulher que cuida de outra mulher". É uma acompanhante do parto; ­ é uma mulher experiente em parto que dá apoio a mulher durante o seu trabalho de parto: trata-se de uma postura solidária de uma mulher em relação a uma outra mulher  numa situação que s6 uma mulher pode empatizar. Hoje a doula faz parte da equipe que acompanha o parto; ela não substitui nem o obstetra nem a parteira, ela apenas acompanha (24).
          Em são Paulo, na Maternidade Santa Marcelina, foi cria­do um curso de formação de doulas sob orientação do Dr. Marcos Ymaho: desde a sua implantação, a taxa de cesáreas nesta maternidade caiu para 15%.
            Acabou de ser criada a ANDO - Associação Nacional de Doulas (Rio de Janeiro, novembro 2001). Nos Estados Unidos e Canadá, a DONA (Doulas of North América) conta com 3.500 doulas.
           O método mãe-canguru de atenção ao prematuro e ao recém-nascido de baixo peso: nasceu de uma tentativa de reduzir as elevadas taxas de mortalidade perinatal por infecção existentes numa maternidade de parcos; recursos de Bogotá, no início da década de 1970, por iniciativa de dois neonatologis­tas colombianos, o Dr.Héctor Martinez e o Dr. Edgar Rey Sanabria, que ao método recorreram induzidos por pura intui­ção [25].
        O método consiste basicamente e;m retirar os bebês das incubadoras - desde que saudáveis - e mantê-las em contato pele-a-pele, com a cabecinha pr6xima do coração da mãe, ali­mentados exclusivamente ao seio. O Bebê é colocado nesta posição - "canguru" - vertical, também para prevenir o refluxo e a conseqüente necessidade de bronco/-aspiração; neste con­tato pele-a-pele, a transmissão de calor e o estímulo sensorial procedentes do corpo da mãe favorecem a estabilização da temperatura do corpo do bebê e de seus batimentos cardíacos. O contato pele-a-pele com a mãe inicia-se no hospital e é mantido em casa, depois de uma alta antecipada, até que o bebê tenha cerca de 40 semanas de idade gestacional; este procedi­mento também favorece o estabelecimento e o desenvolvimento do vínculo afetivo entre a mãe e o bebê.
           No Brasil, a experiência começou a S4ser utilizada no Recife em 1993. Aos poucos foi sendo introduzida em outros centros, deixando gradativamente de ser uma experiência limitada a apenas algumas maternidades para vir a se"e tomar uma política nacional de saúde pública, hoje regulamentada pelo Ministério da Saúde. A eficácia do método hoje é  reconhecida pela comunidade científica internacional, sendo ele utilizado em muitos países como alternativa parcial ou total aos cuidados convencionais com recém-nascidos de baixo peso e prematuros. Nos hospitais com poucos recursos, contribui pai ara a diminuição da mortalidade neonatal intra-hospitalar.
         E, finalmente, a ABREP fez dez anos. E neste tempo cumpriu com o objetivo que havia se proposto por ocasião de sua fundação: o de ser pólo difusor dos novos conhecimentos referentes ao psiquismo pré e perinatal. Promoveu vários eventos significativos: “O surpreendente recém-nascido” com o casal Marshall e Phyllis Klaus (1992); “Decifrando a linguagem dos bebês” com a psicanalista de recém-nascidos, Myriam Szejer e Marie-Claire Busnel pesquisadora em sensorialidade fetal (1994); “Primórdios da vida psíquica” com David Chamberlain, então Presidente da norte americana APPPAH e Jorge César Martinez, neonatologista de Buenos Aires (1997); “Palavras para Nascer” com Myriam Szejer (1999); “Relações Mãe-Feto” com Marie Claire Busnel (1999) e “Humanização do Nascimento” com Michel Odent (2000). A ABREP editou quatro livros contendo os textos das conferências apresentadas em cada um destes eventos (26a,26b,26c,26d).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. SZE)ER, M. (1997) Palavras para nascer: a escura psicanalítica na maternidade. São Paulo. Editora Casa do Psicólogo. 1999.
4.(1999) A escuta psicanalítica de bebês em Maternidade. IV Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo. 1999.
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8. GUINSBURG, R. (1993) Dor no recém-nascido prematuro e ventilado: avaliação multidimensional e resposta a analgesia com Fentanyl. Tese de Doutoramento. Depto. Pediatria Escola Paulista de Medicina. Maio 1993.
9. WILHEIM. J. (1993) Artigo sobre a Defesa de Tese da Dra. Ruth Guinsburg. Boletim da ABREP. Ano 1, -n.3. 1993.
10. CARVALHO, M. (1992) Dor no recém-nascido. Mesa Redonda I Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. Anais da ABREP.1992.
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15. EDELMAN, G.M. (1992) Biologia da Consciência - As Raízes do pensamento. Lisboa. Editora Instituto Piaget. 1995.
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18. WILHEIM,J. (1998) A Caminho do Nascimento - uma ponte entre o biológico e o psíquico. Rio de Janeiro: Imago Editora.
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22. MARTINO, B. (1985) Entrevista com Olivier Marc. In Le bébé est une personne. Paris. Éditions Balland.p.19-25.
23. VELDMAN,F. (1989) Haptonomie - Science de l’Affectivité. Paris. Press Universitaires de France.
24. Doulas (2001) Comunicação no I Encontro de Doulas. Rio de Janeiro. Dezembro 2001.
25. CARVALHO, M. R., PROCHNIK, M. (2001) Método mãe-canguru de atenção ao prematuro. Rio de Janeiro. BNDES.
26a. 1992. Anais do Primeiro Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal [Marshall e Phyllis Klaus). São Paulo. ABREP-Editora Olho d'Água. 1993.
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26c. 1999. A Escuta Psicanalítica de Bebês em Maternidade. Szejer, M. Quarto Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo. 1999.
26d. 1999. Relações Mãe-Feto - Visão atual das Neurociências. Busnel, M, C. Anais do V Encontro Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo. 2002.
        2000. Encontro com Michel Odent-S Humanização do Nascimento. Odent, M. Anais do VI Encontros Brasileiro para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo. 2002.

SOBRE A AUTORA

Psicóloga clínica e psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e docente de seu Instituto, ela nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1930.
Em meio ao conflito da Segunda Guerra Mundial aportou no Brasil em companhia dos pais, que escolheram São Paulo para residir.                                                 .
Graduou-se assistente social pela Escola de Serviço Social da PUC em 1952. Dez anos mais tarde, com vistas à formação psicanalítica, retomou à mesma PUC para ali se formar em Psi­cologia Clínica.
O seu interesse por psiquismo pré-natal é antigo: quando ainda em formação psicanalítica, publicou em 1970 um peque­no ensaio no Jornal do Instituto de Psicanálise sobre o filme Teorema de Pasolini, no qual propunha uma matriz intrauterina, para o núcleo amoroso-passional.
No final da década de 1970, a partir de uma experiência pessoal com Wilfred Bion, viu-se arremetida num caminho sem-retorno de investigação em psicanálise na trilha da presença de inscrições traumáticas pré-natais na mente de crianças, adolescentes e/ou adultos, trilha esta à qual se viu conduzida pela sua experiência clinica no aqui-agora do espaço transferencial.
É autora de diversos trabalhos científicos de psicanálise, outros de divulgação, bem como do livro A caminho do nascimento - uma ponte entre o biológico e o psíquico, a ser proximamente reeditado pela Casa do Psicólogo.
Em 1991 fundou a ABREP - Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal, que preside.
É correspondente no Basil da APPPAH ( Association of Pre and Perinatal Psychology and Health) e da ISPPM (International Society of Pre And Perinatal Psychology and Medicine).


__autora do livro: 

 Joanna Wilheim.

                                  Editor
Anna Elisa de Villernor Amaral Güntert

O QUE É PSICOLOGIA PRÉ-NATAL
3ª edição atualizada
Casa do Psicólogo
1992,   edição - by Joanna Wilheim
1997, 2ª edição - Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.







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