sábado, 15 de setembro de 2012

-- luto e melancolia, sigmund freud. + um artigo.--


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Se eu tivesse que concentrar em uma frase a obra “Luto e Melancolia”, de Sigmund Freud, seria a seguinte: Uma reflexão sobre a tristeza da alma. A relação estabelecida pelo autor entre os conceitos que compõem o título desta obra dar-se-ia pelas semelhanças do quadro geral destes dois estados, assim como pelas “circunstâncias da vida que as desencadeiam”. (Freud, p. 103). Mas o que é o luto: “O luto é, em geral, a reação à perda de uma pessoa amada, ou à perda de abstrações colocadas em seu lugar, tais como pátria, liberdade, um ideal etc”. (Idem, p. 103). A perda é palavra-chave para compreender a natureza do luto, de modo que o objeto perdido tem uma relevância secundária, todavia, não menos importante para o enlutado. Este último apresenta “desvios de comportamento normal” (Idem, p. 103), todavia, após um determinado tempo, o luto será superado. Desta maneira, o luto, diferente da melancolia, não é uma patologia. A melancolia é uma patologia que “caracteriza-se psiquicamente por um estado de ânimo profundamente doloroso, por uma suspensão do interesse pelo mundo externo, pela perda da capacidade de amar, pela inibição geral das capacidades de realizar tarefas e pela depreciação do sentimento-de-Si”. (Idem, p. 103-104). Este último é típico do melancólico: a crítica voltada para si ao ponto de chegar a um estado de delírio. As outras características são facilmente encontradas no luto: perda do interesse pelo mundo, mas com uma ressalva: a proximidade com algo que faz lembrar a pessoa amada é do interesse do enlutado; dificuldade de substituir o objeto perdido por outro; desinteresse em realizar tarefas que não estão diretamente ligadas ao objeto perdido. Ora, o luto profundo e a melancolia têm em comum a dor, entretanto, deveríamos ressaltar que, se para o enlutado a dor passa, ao contrário do luto, na melancolia a dor torna-se crônica.
A melancolia mostra-se não só na perda do objeto amado, mas também na perda do mesmo como objeto de amor. Eis um exemplo: “uma noiva abandonada”. (Idem, p. 105). Há casos no qual sabemos que algo foi perdido, entretanto, dirá Freud, não conseguimos nem saber o que foi perdido, de modo que o doente também não sabe. “Esse desconhecimento ocorre até mesmo quando a perda desencadeadora da melancolia é conhecida, pois, se o doente sabe ‘quem’ ele perdeu, não sabe dizer ‘o que’ se perdeu com o desaparecimento desse objeto amado”.  (Idem, p. 105). Freud ressalta que a perda de um objeto que escapa à consciência é uma característica central do desencadeamento da melancolia, ao passo que, no luto, temos clareza do que fora perdido. Se no luto o mundo torna-se vazio e insignificante, na melancolia o próprio Eu torna-se insignificante. Quando esta insignificância atinge o doente com um poder de autocrítica que o faz descrever a si mesmo como “mesquinho, egoísta, pouco sincero, sem autonomia, que sempre se empenhou em esconder as fraquezas de seu ser, ele pode, ao que sabemos, estar bastante próximo do autoconhecimento [...]”.(Idem, p. 106). Freud estaria dizendo o que é o homem ao descrever a melancolia? E por que o melancólico degrada sua imagem sem nenhuma vergonha?
Freud afirma que há uma “satisfação de se auto-expor”. (Idem, p. 106). Assim, na sua análise, na qual parte de uma analogia entre luto e melancolia, é destacado que se no luto perdeu-se o objeto amado, na melancolia houve uma perda do Eu. O próprio autor salienta esta contradição. Mas como resolvê-la? Na verdade, não há dificuldade, dirá o autor: as mais graves acusações atribuídas a si mesmo pelo melancólico não se ordenam à sua pessoa, mas “se aplicam perfeitamente a uma outra pessoa que o doente ama, amou ou deveria amar”. (Idem, p. 107). Desta maneira, a crítica é retirada do objeto amado e transferida para o próprio Eu. “A mulher que aos brados lamenta que seu marido esteja preso a uma pessoa tão incapaz como ela na verdade está acusando o marido de incapaz, seja lá o que for que ela entenda por incapaz”. (Idem, p. 107). Ora, neste caso o que o melancólico diz de si, na verdade, está dizendo de outra pessoa. Mas qual é a origem destas auto-recriminações? Está no relacionamento amoroso.
A relação entre o Eu e o objeto amado é abalada por alguma decepção. Há um amor do Eu pelo objeto, mas com a perda do objeto o amor não é direcionado diretamente a outro objeto, ele é desviado em direção ao próprio Eu, de modo que há “uma identificação do Eu com o objeto que tinha sido abandonado.” (Idem, p. 108). A partir desta identificação, Freud destaca que o “conflito da ambivalência inerentes à neuroses obsessivas confere ao luto uma forma patológica [...]” (Idem, p. 110), ou seja, a melancolia. Esta se expressaria como auto-recriminações ao Eu manifestas como culpa pela perda do objeto, no sentido de culpa pelo desejo da perda.  A ambivalência – amor e ódio – das neuroses obsessivas, que está contida nas relações amorosas, confere os pré-requisitos para o surgimento da melancolia. Mas como procedem as neuroses obsessivas? Nas neuroses obsessivas o amor é desviado do objeto para o Eu. O amor refugia no Eu como narcisismo, de modo que, se há um objeto substituto do objeto original, este sofrerá o ódio do Eu direcionado ao objeto substituto, “insultando-o, rebaixando-o, fazendo-o sofrer e obtendo deste sofrimento alguma satisfação sádica”. (Idem, p. 110).  O ódio será direcionado, sadicamente, para o objeto substituto. Na melancolia, diferente da neurose obsessiva, o Eu torna-se objeto de ódio. Portanto, a melancolia apresenta as mesmas características que as neuroses obsessivas, pois as duas têm tendências sádicas e de ódio, a diferença é se nas neuroses obsessivas o ódio volta-se para o objeto, na melancolia, o ódio pelo objeto torna-se ódio do Eu. Por este motivo que as neuroses obsessivas servem de pré-requisitos para o surgimento da melancolia. Cabe agora verificar outra característica da melancolia: o suicídio.
É pelo sadismo que o autor tece sua linha de investigação. Freud afirma a existência de um estado primitivo no qual há “um grande amor pelo Eu” (Idem, p. 110), uma espécie de estado de conservação que, por exemplo, diante do perigo, o indivíduo sente medo, ao passo que este último desencadearia uma quantidade de libido narcísica que impediria o aniquilamento total de si. Logo, o suicídio torna-se um enigma: “[...] portanto, em rigor, seria incompreensível como esse mesmo Eu tão vinculado à vida poderia concordar com sua próprio destruição”. (Idem, p. 111). Então como o suicídio é possível? O melancólico, ao tratar a si mesmo como objeto, dirigiria hostilidades para o próprio Eu, de modo que este passa a ser o objeto ao qual toda violência é destinada. Por conseguinte, Freud salienta que em duas “situações opostas, a paixão extrema e o suicídio, o Eu, embora por vias totalmente diversas, acaba sendo sobrepujado pelo objeto.” (Idem, p. 111). Portanto, o suicídio é a manifestação do ódio dirigido a “alma triste” – termo meu, aquilatado no início –  em uma escala capaz de superar o narcisismo do Eu.
Enfim, a leitura desta obra mostra o que é “pathos” no sentido duro do conceito: “Todavia, a melancolia nos coloca ainda diversas outras questões, cujas respostas nos escapam”. (Idem, p. 111). “Pathos” não é aquilo que nos afeta, mas algo que quando afeta nos toma, da mesma forma que um barquinho minúsculo é tomado pela imensidão do mar revolto de Posseidon.
FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: ___. “Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente”. v.II. Rio de Janeiro: Imago, 2006, p. 97 – 122.
Andrei Venturini Martins

Um comentário:

Fernanda!!!! disse...

Oiee fia!
Adorei o texto.
Não sabia nada dessas coisas que tinha la.
Adorei saber.
Um beijão.
Fer.